Excertos de:

Queiram os Verdadeiros Heréticos Por Favor se Levantar:

Uma Nova Visão da Atual Igreja Evangélica à Luz do Antigo Cristianismo

David W. Bercot

            David W. Bercot obteve seu Bacharel em Artes formado summa cum laude da Universidade Stephen F. Austin e seu diploma de Doutorado em Jurisprudência formado cum laude da Universidade de Escola da Lei de Baylor. Ele é um Evangélico Protestante que procurou estudar os antigos Cristãos (cerca de 100 A.D.) sobre o que tinham a dizer sobre suas crenças. Ele escreveu artigos em vários periódicos sobre a antiga Igreja cristã e freqüentemente dá palestras sobre o assunto do antigo Cristianismo.

            Escreveu o livro: Will The Real Heretics Please Stand Up: A New Look at Today's Evangelical Church in the Light of Early Christianity. “Os verdadeiros hereges queiram se levantar, por favor! Uma Nova Visão da Igreja Evangélica de hoje à luz do Antigo Cristianismo.”

 O que os Antigos Cristãos Acreditavam a Respeito da Salvação.

Quando eu primeiramente comecei a estudar os antigos escritos Cristãos, fiquei surpreso pelo que lia. Na verdade, após uns poucos dias de leitura, coloquei seus escritos na estante e decidi ponderar  sobre minha pesquisa. Após analisar a situação, percebi que o problema era que suas obras contradiziam muitas das minhas próprias visões teológicas.

            Isto não quer dizer que não encontrei nenhum apoio para quaisquer de minhas crenças nos antigos escritos Cristãos. A Compreensão deles corroborava muito de minhas próprias visões. Por outro lado, eles freqüentemente ensinavam o oposto do que eu acreditava, e mesmo de vez em quando rotulavam minhas crenças como heréticas. O mesmo provavelmente seria verdade para muitas de vossas crenças. (Nota do Tradutor: Lembre-se que Bercot está escrevendo para um público evangélico)

            Para ilustrar, nestes próximos capítulos discorrerei sobre cinco crenças que eram aceitas por quase todos os antigos Cristãos. Estes cinco exemplos não são os mais difíceis de suas crenças para nós aceitarmos, mas também não são os mais fáceis. Vós podeis descobrir que concordais com suas visões em algumas destas questões, mas é improvável que concordareis em todas elas. Por favor compreenda que não vos estou pedindo para aceitar seus ensinamentos sobre estas questões. Apenas estou pedindo a vós para que escuteis o que eles tinham a dizer.

Somos Salvos Somente pela Fé?

Se existe qualquer doutrina singular que esperaríamos encontrar com os fiéis associados aos ensinamentos apostólicos, seria a doutrina da salvação somente pela fé. Afinal, esta é a doutrina principal da Reforma. De fato, freqüentemente dizemos que aquelas pessoas que não seguem tal doutrina não são realmente Cristãs.

A história que usualmente ouvimos sobre a história da igreja é que os antigos Cristãos ensinaram nossa doutrina da salvação somente pela fé. Mas, após Constantino ter corrompido a igreja, foi gradualmente ensinado que as obras exercem um papel em nossa salvação. Bem típico do cenário pintado é a seguinte passagem de Francis Schaeffer Como Deveríamos Então Viver? Após descrever a queda do Império Romano e o declínio do conhecimento no Ocidente, Schaeffer escreveu: “Graças aos monges, a Bíblia foi preservada junto com seções dos clássicos Gregos e Latinos...Não obstante, o Cristianismo primordial estabelecido no Novo Testamento gradualmente começou a ficar distorcido. Um elemento humanístico foi acrescentado: Cada vez mais, a autoridade da igreja tomou precedência sobre os ensinamentos da Bíblia. E havia uma ênfase cada vez maior na salvação depositada no merecimento do homem dos méritos de Cristo, ao invés de somente da obra de Cristo.”[1]

Como Schaeffer, a maioria dos escritores evangélicos nos deixa a impressão de que a crença em que nossos próprios méritos e obras afetem nossa salvação foi alguma coisa que gradualmente adentrou sorrateiramente na igreja após a era de Constantino e a queda do Império Romano. Mas isto não é realmente o caso.

Os primeiros Cristãos universalmente acreditavam que obras ou obediência exerciam um papel essencial em nossa salvação. Isto é provavelmente uma revelação bastante chocante para a maioria dos evangélicos. Todavia não há nenhum espaço para dúvida concernente a esta questão, citarei abaixo (aproximadamente em ordem cronológica) alguns trechos dos primeiros escritores Cristãos de praticamente todas as gerações desde a época do Apóstolo João à inauguração do primado de Constantino.

Clemente de Roma, quem foi um companheiro do apóstolo Paulo[2] e supervisor da igreja em Roma, escreveu, “É portanto necessário que estejamos inclinados à prática de boas obras. Pois Ele previamente nos advertiu ‘Eis que o Senhor vêm e Seu galardão está diante de Sua face, para retribuir a cada homem segundo suas obras.’[Nota: Cf. Mateus 16:27 e D&C 112:34]...Vamos portanto ansiosamente nos esforçar para sermos encontrados e enumerados entre aqueles que esperam por Ele, a fim de que possamos compartilhar de Seu prometido galardão. Mas como, amados, faremos isto? Ao fixarmos nossos pensamentos em Deus pela fé. Ao ansiosamente procurarmos as coisas que são agradáveis e aceitáveis a Ele. Ao realizar as coisas que estão em harmonia com Sua vontade imaculada. E ao seguirmos o caminho da verdade, lançando de nós toda injustiça e pecado.”[3]

             Policarpo, o companheiro pessoal do apóstolo João, ensinou, “Aquele que O levantou dentre os mortos também nos levantará – se fizermos Sua vontade e caminharmos em Seus preceitos e amar o que Ele amou, guardando-nos de toda injustiça.”[4]

             A epístola de Barnabé declara: “Aquele que guarda estes [mandamentos], será glorificado no reino de Deus; mas aquele que outras coisas escolhe será destruído com suas obras.”[5] 

Hermas, que pode ter sido um contemporâneo do apóstolo João, escreveu, “Apenas aqueles que temem ao Senhor e guarda Seus mandamentos tem vida com Deus. Mas concernente àqueles que não guardam Seus mandamentos, não há vida neles.... Todos, portanto, que O desprezam e não seguem Seus mandamentos entregam-se a Si mesmos para a morte, e cada um será culpado de seu próprio sangue. Mas eu imploro a vós a obedecer Seus mandamentos, e tereis vós a cura para vossos pecados.”[6]  

Em sua primeira apologia, escrita mais ou menos um pouco antes de 150 A.D., Justino Mártir disse aos Romanos, “Fomos ensinados...que Ele aceita apenas aqueles que imita as virtudes que residem dentro de Seus próprios parâmetros, justiça e amor por todos os homens.... E desta forma recebemos [este ensinamento] que se os homens por suas obras mostrarem-se dignos de Seu plano, eles estarão aptos a reinar em Sua companhia, sendo livrados da corrupção e sofrimento.” [7] 

Clemente de Alexandria, escrevendo por volta de 190, disse, “O Verbo, tendo revelado a verdade, mostrou ao homem o caminho da salvação, de tal forma que ao se arrependerem possam ser salvos, ou se recusarem a obedecer, possam ser condenados. Esta é a proclamação da justiça: para aqueles que obedecem, rejúbilo; para os que desobedecem, condenação.”[8] E novamente, “Quem quer que obtenha [a verdade] e se distingue em boas obras ganhará o prêmio da vida eterna....Algumas pessoas corretamente e adequadamente compreendem como [Deus providenciou o poder necessário], todavia ao relacionarem pouca importância às obras que conduzem à salvação, eles falham em obter a necessária preparação para atingir os objetivos de sua esperança.”[9] 

Orígenes, quem viveu no começo do ano 200, escreveu, “A alma...será recompensada de acordo com o que merece, sendo destinada a obter tanto uma herança de vida eterna e bênçãos, se suas ações houverem demonstrado que por isto procuraram, ou para serem entregues ao eterno fogo e castigos, se a culpa por seus crimes os trouxerem a isto.”[10] 

Hipólito, um supervisor Cristão que viveu na mesma época de Orígenes, escreveu, “Os Gentios, pela fé em Cristo, preparam para si mesmos a vida eterna através de boas obras.”[11] Ele mais uma vez escreveu, “[Jesus], ao administrar o justo julgamento do Pai para todos, designa para cada um o que é justo de acordo com suas obras....Justificação será vista na premiação de cada um para o que for justo; para aqueles que tiverem feito o bem, será justamente designado felicidade eterna. Aos amantes de iniqüidades será designado punição eterna....Mas os justos lembrar-se-ão apenas dos feitos de justiça pelos quais eles alcançaram o reino celestial.”[12] 

Cipriano escreveu, “profetizar, expulsar demônios, e realizar grandes atos sobre a terra são certamente sublimes e uma coisa admirável. Entretanto, uma pessoa não obtém o Reino dos Céus mesmo que seja encontrado com todas estas coisas a menos que ele caminhe na observância do caminho correto e justo. O Senhor diz, ‘Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitos milagres?  Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade.’ [Mateus 7:22-23] Há uma necessidade de justiça de tal forma que se possa merecer o bem de Deus, o Juiz. Precisamos obedecer Seus preceitos e advertências para que nossos méritos possam receber os seus galardões.”[13] 

Finalmente, Lactâncio, escrevendo no começo do ano 300, explicou aos Romanos, “Por que, então, fez Ele o [homem] frágil e mortal?... [Assim o fez] para que Ele pudesse colocar diante do homem a virtude, isto é, perseverança nos labores e contra o mal, pelo qual ele poderá ser capaz de ganhar a recompensa da imortalidade. Pois desde que o homem consiste de duas partes, corpo e alma, das quais uma é terrena, a outra celestial, duas vidas foram designadas ao homem. A primeira, que é apontada para o corpo, é transitória. A outra, que pertence à alma, é eterna. Recebemos a primeira no nosso nascimento. Ganharemos a última pela perseverança, uma vez que a imortalidade não pode ser disponível ao homem sem algumas dificuldades....Por esta razão Ele nos concedeu esta vida presente, para que tanto possamos perder a verdadeira e eterna vida pelos nossos pecados, ou ganha-la pela nossa virtude.”[14]  

De fato, cada um dos antigos escritores Cristão que discutiram o sujeito de salvação apresentou esta mesma visão.

Isto quer dizer que Cristãos Obtêm Sua Salvação Pelas Obras?  

Não, os antigos Cristãos não ensinavam que ganhávamos salvação por um acúmulo de boas obras. Eles reconheciam e enfatizavam o fato de que fé é absolutamente essencial para salvação, e que sem a graça de Deus ninguém poderia ser salvo. Todos os escritores acima citados enfatizaram este fato. Aqui estão apenas uns poucos exemplos: 

Clemente de Roma escreveu, “[Nós] não somos justificados por nós mesmos. Nem pela nossa própria sabedoria, compreensão ou por obras realizadas em santidade de coração. Mas pela aquela fé através da qual o Todo-Poderoso Deus tem justificado os homens desde o princípio.” [15] 

Policarpo escreveu, “Muitos desejam entrar neste júbilo, sabendo que ‘pela graça sois vós salvos, não de obras,’ mas pela vontade de Deus através de Jesus Cristo [Efésios 2:8].” [16] 

Barnabé escreveu, “Para este fim o Senhor entregou Sua carne para a corrupção, para que pudéssemos ser santificados através da remissão dos pecados, o que é efetuado pelo Seu sangue.” [17] 

Justino Mártir escreveu, “Nosso Cristo sofrido e crucificado não foi amaldiçoado pela lei. Antes disso, ele deixou bem evidente de que somente Ele poderia salvar aqueles que não deixassem Sua fé....Como o sangue da páscoa salvou aqueles que estavam no Egito, assim também o sangue de Cristo livrará da morte aqueles que acreditaram”[18] 

Clemente de Alexandria escreveu, “Segue-se que há um imutável dom de salvação concedido por um Deus, através de um Senhor, beneficiando de muitas maneiras.”[19] E mais uma vez, “Abraão não foi justificado pelas obras, mas pela fé [Rom. 4:3]. Portanto, mesmo se exercem boas obras agora, não é de nenhuma vantagem para eles após a morte, se não possuem fé.”[20]


Acaso Seriam Fé e Obras Mutuamente Exclusivas?  

Você pode se estar perguntando, “Estou confuso. De um lado suas palavras dizem que somos salvos por causa de nossas obras, e por outro lado afirmam que somos salvos pela fé ou graça. Eles parecem não saber em que acreditavam!”

Oh, mas eles o sabiam! Nosso problema é que Agostinho, Lutero e outros teólogos Ocidentais nos convenceram que há um conflito irreconciliável entre salvação baseado na graça e salvação condicionada a obras ou a obediência. Eles usaram uma forma falaciosa de argumentação conhecida como o “falso dilema,” ao declararem que havia apenas duas possibilidades concernentes à salvação: seria exclusivamente ou (1) um dom de Deus ou (2) é alguma coisa que ganhamos pelas nossas obras.

Os antigos Cristãos teriam replicado que um dom não é nada menor do que um dom simplesmente porque esteja condicionado à obediência. Suponha que um rei peça a seu filho para ir até o pomar real e trazer para ele um cesto cheio das maçãs favoritas do rei. Após o filho ter completado esta tarefa, suponha que rei deu a seu filho a metade de seu reino. Foi o prêmio um presente, ou foi isto alguma coisa que o filho ganhou? A resposta é que foi um presente. O filho obviamente não ganhou metade do reino de seu pai ao realizar tal tarefa tão pequena. O fato de que o presente estivesse condicionado à obediência do filho não muda o fato de que isto ainda fosse um presente.

Os antigos Cristãos acreditavam que a salvação é um dom de Deus, não obstante Deus concede Seu dom a quem quer que Ele escolha. E Ele escolhe concedê-lo àqueles que o amam e lhe obedecem.

            É o entendimento deles assim tão estranho? Eu freqüentemente ouço Cristãos evangélicos dizerem que a ajuda social de bem-estar deveria ser concedida àquelas pessoas que realmente merecessem. Quando afirmam que aquelas pessoas mais carentes realmente “merecem,” acaso elas querem dizer que a ajuda social de bem estar se constitui dos salários ganhos por tais pessoas? Claro que não. Eles ainda consideram o bem estar como sendo um presente. Simplesmente porque uma pessoa é seletiva em sua concessão, isto não muda o presente para um salário.

Sim, Mas a Bíblia Diz . . .

Recentemente, estava eu explicando sobre a compreensão de salvação dos antigos Cristãos a um grupo de crentes, uma das senhoras estava um pouco perturbada. Ela exclamou com aborrecimento, “Parece-me que eles deveriam ler mais suas Bíblias!”

Mas os antigos Cristãos realmente liam suas Bíblias, Conforme Josh McDowell indica em Evidências que Demandam um Veredicto:

            J. Harold Greenlee diz que as citações das Escrituras nas obras dos antigos escritores Cristãos “são tão extensivas que o N.T. [Novo Testamento] poderia virtualmente ser reconstruído a partir delas sem o uso dos manuscritos neo-testamentários. “...Clemente de Alexandria (150 –212 A.D.)  tem 2.400 de suas citações de todos os Livros do Novo Testamento, exceto de três deles. Tertuliano (A.D. 160-220) era um presbítero da Igreja em Cártago e cita o Novo Testamento mais de 7.000 vezes, das quais 3.800 são citações dos Evangelhos....” Geisler e Nix prontamente concluem que “um breve inventário a esta altura revelará que havia cerca de 32.000 citações do Novo Testamento anteriores à época do Concílio de Nicéia (325).” [21] 

            Então, por favor não acusem os antigos Cristãos de não lerem as suas Bíblias. Estes Cristãos estavam bem conscientes do que Paulo havia escrito concernente salvação e graça. Além do mais, Paulo pessoalmente ensinou homens como Clemente de Roma. Entretanto, os antigos Cristãos não punham as epístolas de Paulo aos Romanos e Gálatas em um pedestal acima dos ensinamentos de Jesus e dos outros apóstolos. Eles liam as palavras de Paulo sobre graça em conjunção com outras Escrituras, tais como: 

Mateus 7:21 

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.

 

Mateus 24:13

Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo.

João 5:28-29

Não vos admireis disso, porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida, e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo.

Apocalipse 22:12

Eis que cedo venho e está comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um segundo a sua obra.

 I Timóteo 4:16

 Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem.

Outras passagens das escrituras que citavam estão listadas no fim deste capítulo. 

Então, a real questão não é um problema de acreditar nas Escrituras, mas um de interpretar as Escrituras. A Bíblia diz que “...pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. (Efésios 2:8-9)”. Só que ainda a Bíblia também diz, “Vedes então que é pelas obras que o homem é justificado, e não somente pela fé.” (Tiago 2:24) Nossa doutrina de salvação (Nota: Mais uma vez, lembre-se de que Bercot está escrevendo sob uma perspectiva evangélica) aceita aquela primeira declaração mas essencialmente nulifica a segunda. A antiga doutrina Cristã de salvação dá peso igual para ambas. (Nota do Tradutor: Compare esta última frase de Bercot com a escritura do Livro de Mórmon: “Pois trabalhamos diligentemente para escrever, a fim de persuadir nossos filhos e também nossos irmãos a acreditarem em Cristo e a reconciliarem-se com Deus; pois sabemos que é pela graça que somos salvos, depois de tudo o que pudermos fazer.”(II Néfi 25:23))

Como foi indicado anteriormente, os primeiros Cristãos não acreditavam que o homem fosse totalmente depravado e incapaz de fazer qualquer bem. Eles ensinavam que os humanos eram capazes de obedecer e amar Deus. Mas eles também acreditavam que para uma pessoa viver obedientemente ao longo de toda sua vida, ele necessitava do poder de Deus. Então, obediência não estava totalmente dependente da força do homem, nem totalmente dependente do poder de Deus. Era uma mistura dos dois.

            Para eles, salvação era semelhante. O novo nascimento como filhos espirituais de Deus e herdeiros da promessa de vida eterna é oferecido para todos nós puramente como uma questão de graça. Não temos de ser primeiramente “suficientemente bons”. Não temos que ganhar este novo nascimento de qualquer jeito. E não temos que expiar por todos os pecados que tivemos cometido em nosso passado. O transgressor é limpo através da graça de Deus. Somos verdadeiramente salvos pela graça, não pelas obras, como Paulo disse.

Não obstante, nós também exercemos um papel em nossa própria salvação, de acordo com a Escritura e com os antigos Cristãos. Primeiramente, temos de nos arrepender e acreditar em Cristo como nosso Senhor e Salvador a fim de que nos qualificarmos para a graça de Deus. Após receber o novo nascimento, temos também de obedecer a Cristo. Ainda, a obediência em si é ainda dependente da contínua graça do poder de Deus e do arrependimento. Então a salvação começa e termina com a graça, mas no meio está a resposta fiel e obediente do homem. Ultimamente, salvação depende tanto do homem como de Deus. Por esta razão, Tiago poderia dizer que somos salvos pelas obras e não somente pela fé.

 Pode uma Pessoa Salva se Perder?

Uma vez que os antigos Cristãos acreditavam que nossa contínua fé e obediência são necessárias para a salvação, naturalmente se seguia que acreditavam que uma pessoa “salva” poderia acabar se perdendo. Por exemplo, Irineu, o pupilo de Policarpo, escreveu, “Cristo não morrerá novamente em favor daqueles que agora cometem pecado porque a morte não tem mais poder sobre Ele....Portanto não nos devemos nos orgulhar....Mas deveríamos ter o cuidado para que senão de alguma maneira, após [chegarmos ao] conhecimento de Cristo, se fizermos coisas que desagradem a Deus, não obteremos nenhum perdão adicional de pecados, mas ao invés seremos banidos de Seu Reino”[22] (Hebreus 6:4-6) 

Tertuliano escreveu, “Algumas pessoas agem como se Deus estivessem sob uma obrigação de conceder mesmo ao indigno Seu dom prometido. Eles tornam Sua liberalidade em escravidão....Pois afinal não caíram muitos da Grace? Não foi este dom retirado de muitos?”[23] 

Cipriano disse aos seus companheiros de fé, “Está escrito, ‘Aquele que permanecer até o fim, o mesmo será salvo’ [Mateus 10:22]. Então qualquer coisa que preceda o fim é apenas um passo pelo qual ascendemos ao cume da salvação. Não é o ponto final onde já temos ganho o resultado completo da ascensão.”[24] 

Umas das escrituras que os antigos Cristãos freqüentemente citavam era Hebreus 10:26: “Porque se voluntariamente continuarmos no pecado, depois de termos recebidos o pleno conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados.” Nossos pregadores (evangélicos) usualmente nos dizem que o escritor de Hebreus não estava falando sobre pessoas já salvas. Se este é o caso, o escritor certamente não comunicou isto efetivamente para seus leitores. Todos os antigos Cristãos compreendiam esta passagem como falando de pessoas que haviam sido “salvas” (i.e., pessoas que haviam aceitado Cristo como seu Salvador).

Incidentalmente, algumas das citações dos primeiros Cristãos podem fazê-lo pensar que eles vivessem em insegurança eterna. Mas isto não é o caso. Embora acreditassem que seu Pai Celestial pudesse deserdá-los se Ele assim escolhesse, o espírito geral de seus escritos era de que Cristãos obedientes não viviam com um constante e mórbido temor de serem deserdados. Acaso um filho obediente constantemente se preocupa e teme ante a possibilidade de ser deserdado pelo seu pai terreno?

O Grupo Que Pregava Salvação Somente Pela Graça

Tão surpreendente como tudo isto possa ser para você, o que estou para lhe dizer é ainda mais bizarro. Havia um grupo religioso, rotulado como herético pelos antigos Cristãos, que fortemente combatia contra a posição da igreja sobre salvação e obras. Ao invés disso, eles ensinavam que o homem é totalmente depravado. Que somos salvos somente pela graça. Que as obras não exercem nenhum papel em nossa salvação. E que não podíamos perder nossa salvação uma vez que a obtivéssemos.

Eu sei o que você está pensando; Este grupo de “heréticos” eram os verdadeiros Cristãos e os “ortodoxos” Cristãos eram os verdadeiros heréticos. Mas tal conclusão é impossível. Eu digo que é impossível porque o grupo a que estou me referindo são os gnósticos. A palavra grega gnosis significa conhecimento, e os gnósticos alegavam que Deus lhes haviam revelado conhecimento especial para eles que o corpo principal dos Cristãos não possuía. Embora cada mestre gnóstico tivesse sua versão individual destes ensinamentos, eles todos basicamente ensinavam que o Criador era um Deus diferente do Pai de Jesus. Este Deus inferior havia agido sem a autoridade do Pai ao criar o mundo material. Deste mundo criado surgiu toda a confusão e o homem é inerentemente depravado como resultado. O Deus do Velho Testamento é este Criador inferior que possuía diferentes qualidades do Deus do Novo Testamento.

Porque os humanos são o resultado do trabalho deste Deus inferior, eles são totalmente incapazes de fazer qualquer coisa em benefício de suas próprias salvações. Felizmente para a humanidade, o Pai de Jesus se apiedou dos humanos e enviou seu Filho para nossa salvação. Entretanto, por ser a carne inerentemente depravada, o Filho não poderia ter realmente se tornado um homem. Ao invés disso, o Filho de Deus simplesmente tomou a aparência de homem. Ele não era verdadeiramente homem e ele nunca realmente morreu ou ressuscitou. Desde que todas as coisas sobre o homem estão inerentemente defraudadas, nossas obras não podem tomar nenhuma parte em nossa salvação, mas antes somos salvos puramente pela graça do Pai.[25]

Caso você tenha qualquer sombra de dúvida se os gnósticos eram os verdadeiros Cristãos, perceba o que o próprio Apóstolo João disse sobre eles: “Porque já muitos enganadores saíram pelo mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Tal é o enganador e o anticristo.” (II João 7). Os gnósticos eram aqueles que negavam que Jesus tivesse vindo na carne, e eles são aqueles a quem João estava se referindo. Ele deixou claro que estes eram enganadores e anticristos. Então, assumindo que nossa doutrina evangélica de salvação seja verdadeira, nós nos confrontamos com a inconfortável realidade de que esta doutrina era ensinada pelos “enganadores e anticristos” antes que ela fosse ensinada pela igreja.

A compreensão dos Cristãos da salvação estava também baseada nestas passagens, entre muitas outras. 

Gálatas 6:8-9

 “Porque quem semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção; mas quem semeia no Espírito, do Espírito ceifará a vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.”

 II Coríntios 5:10

“Porque é necessário que todos nós sejamos manifestos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que fez por meio do corpo, segundo o que praticou, o bem ou o mal.”

 

Efésios 5:5

“Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus.”

 

II Timóteo 2:12

“se perseveramos, com ele também reinaremos; se o negarmos, também ele nos negará;”

 

Hebreus 4:11

“Ora, à vista disso, procuremos diligentemente entrar naquele descanso, para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência.”

 

Hebreus 10:36

“Porque necessitais de perseverança, para que, depois de haverdes feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa.”

 

II Pedro 2:20-21

 “Porquanto se, depois de terem escapado das corrupções do mundo pelo pleno conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, ficam de novo envolvidos nelas e vencidos, tornou-se-lhes o último estado pior que o primeiro. Porque melhor lhes fora não terem conhecido o caminho da justiça, do que, conhecendo-o, desviarem-se do santo mandamento que lhes fora dado. 

Para outras Escrituras citadas pelos antigos Cristãos, por favor veja a nota de rodapé 26.

Sobre o Que Acreditavam em Relação à Predestinação e ao Livre Arbítrio.

Muitos Cristãos evangélicos pensam que a Reforma de Lutero retornou a igreja aos padrões dos antigos crentes. Muitos também supõem que os Cristãos evangélicos de hoje estão ensinando as mesmas coisas que Lutero. Entretanto, ambas as premissas estão incorretas.

Provavelmente surpreendeu a você saber que nossa presente doutrina da salvação pela fé é diferente daquilo que os primitivos Cristãos ensinavam. Surpreenderia você ainda mais saber que nossa doutrina de salvação é também diferente daquilo que Martinho Lutero e outros líderes da Reforma ensinaram. De fato, ensinamos apenas metade da doutrina de salvação da Reforma.

            Embora seja verdade que Lutero algumas vezes disse que o homem é “salvo somente pela fé,” ele também ensinou que o homem está tão totalmente depravado que ele é incapaz mesmo de ter fé em Deus e aceitar o dom de salvação. Portanto, as únicas pessoas que têm a fé salvífica são aqueles para quem Deus concedeu tal fé. E Deus deu tal fé somente para aqueles ele arbitrariamente predestinou antes da criação do mundo. Por “arbitrariamente,” eu quero dizer que, de acordo com Lutero, a decisão de Deus em conceder fé para alguns, e não para outros, não estava baseada em nenhum desejo, fé, retidão, ações, ou orações por parte do recipiente. 

            No final, Lutero poderia apenas se lamentar, “Este é o mais alto nível de fé – acreditar que Ele é misericordioso, o Mesmo que salva tão poucos e condena tantos. Acreditar que Ele é justo, Aquele quem de acordo com Sua própria vontade, nos faz necessariamente condenáveis.”[1] Então a Reforma não ensina que o homem é salvo somente pela fé ou que ele é salvo ao aceitar Cristo. Ela ensina que os predestinados são salvos somente pela fé e que o resto da humanidade está eternamente condenada. É um mito popular que João Calvino introduziu esta doutrina da predestinação, mas Calvino estava simplesmente repetindo a já estabelecida teologia da Reforma. Então hoje, aqueles que dizem que a oferta de salvação está aberta para todos contradizem uma doutrina básica da Reforma.

            Após a Reforma, Cristãos evangélicos tentaram por séculos convencer um mundo irreverente e caçoador que nossos destinos e vida eternos estavam já arbitrariamente predestinados por Deus, e que isto como a um Deus, nós deveríamos amar. Quão irônico, portanto, é que originalmente, eram os Cristãos que tentaram convencer um mundo irreverente e caçoador de que nossos destinos e vida eternos  não estavam predestinados.

Crentes no Livre Arbítrio

Os primeiros Cristãos criam muito fortemente no livre arbítrio. Por exemplo, Justino Mártir fez este argumento aos Romanos: “Temos aprendido dos profetas, e atemo-nos a isto como verdadeiro, que os castigos, punições e recompensas são concedidas de acordo com o mérito das ações de cada homem. De outra maneira, se todas as coisas acontecem pelo destino, então nada está em nosso próprio poder. Pois se é predestinado que um homem seja bom e um outro mal, então o primeiro não é merecedor de louvor ou outro de ser culpado. A menos que os humanos tenham poder de evitar o mal e escolher o bem através do livre arbítrio, eles não são responsáveis por suas ações – quaisquer que possam sê-las.... Pois não seria um homem digno de galardão ou louvor se ele não escolhesse por si mesmo o bem, mas fosse meramente criado para aquele fim. Da mesma maneira, se um homem fosse mal, ele não mereceria punição, uma vez que por ele próprio não fosse mal, sendo incapaz de fazer qualquer outra coisa mais do que aquilo para o qual foi feito.”[2] 

Clemente ecoou a mesma crença: “Nem louvor, nem condenação, nem prêmios ou castigos, estão corretos se a alma não tiver o poder de escolher e abnegar, se o mal é involuntário.[3]”. 

Arquelau, escrevendo algumas décadas mais tarde, repetiu a mesma compreensão: "Todas as criaturas que Deus criou, Ele fez muito boas. E Ele concedeu a cada indivíduo o senso da livre vontade, por este padrão Ele também instituiu a lei do julgamento. . . . E  certamente quem quer que assim desejar, possa guardar os mandamentos. Quem quer que os desprezem ou se voltem contra eles, deve ainda sem dúvida alguma ter de enfrentar a lei do julgamento. . . . Não pode haver nenhuma dúvida de que cada indivíduo, ao utilizar seu próprio poder de vontade, possa moldar o curso de sua vida em qualquer que seja a direção que lhe agradar."[4] 

Metódius, um mártir Cristão que viveu perto do fim do terceiro século, escreveu semelhantemente, "Aqueles [pagãos] que decidem que o homem não tem vontade livre, mas dizem que ele é governado pela inevitável necessidade do destino, são culpados de impiedade em relação ao Próprio Deus, tornando-O a causa e autor dos males humanos."[5] 

Os antigos Cristãos não estavam simplesmente especulando sobre esta questão, mas antes eles estavam baseando sua crenças nas seguintes escrituras, entre muitas outras: 

João 3:16

 “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.”

 

II Pedro 3:9

 “O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; porém é longânime para convosco, não querendo que ninguém se perca, senão que todos venham a se arrepender”

 

Apocalipse 22:17

 “E o Espírito e a noiva dizem: Vem. E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede, venha; e quem quiser, receba de graça a água da vida.”

 

Deuteronômio 30:19

 “O céu e a terra tomo hoje por testemunhas contra ti de que te pus diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência,” 

            Então, originalmente, era o mundo pagão, não os Cristãos, quem acreditava em predestinação. Ainda, em um dos mais estranhos surtos da história Cristã, Martinho Lutero tomou lado dos Romanos pagãos contra os antigos Cristãos. Não quero dizer que, efetivamente ficou ao lado deles. Quero dizer que ele literalmente se alinhou com eles! Por exemplo, Lutero escreveu concernente ao destino ou predestinação: 

‘Todavia por que estas coisas deveriam ser difíceis para nós Cristãos compreendermos, de tal forma que devesse ser considerado irreligioso, curioso e inútil, mesmo discutir ou conhecê-las, quando os poetas pagãos e as próprias pessoas comuns as mencionam normalmente em sua linguagem cotidiana? Quão freqüentemente somente Virgílio [um poeta romano pagão] fez menção ao Destino? “Todas as coisas permanecem fixas pela lei imutável.” Novamente, “Fixado está o dia de todo homem.” De novo, “Se os destinos vos determinarem.” E mais uma vez, “Se vós quebrardes a grossa corrente do Destino.” 

            O objetivo deste poeta é demonstrar que na destruição de Tróia, e no erguimento do Império Romano, o Destino fez mais do que todos os mais devotos esforços dos homens.... A partir do que nós podemos ver que o conhecimento da predestinação e da presciência de Deus estava não apenas menos estabelecido no mundo do que a própria noção da divindade. E aqueles que desejassem parecer sábios adentravam tão profundamente em seus debates que, obscurecidos os seus corações, tornavam-se tolos (Romanos 1:21-22). Eles negavam, ou fingiam não conhecer aquelas coisas  que seus poetas, e o cidadão comum, e mesmo suas próprias consciências reconheciam ser universalmente conhecidas, as mais certas e as mais verdadeiras.’ [6] 

Mas Como Explicariam Eles as Passagens Bíblicas Que Parecem Ensinar Predestinação?

Pelo que tenho observado, talvez muitos ou a maioria dos Cristãos evangélicos dizem acreditar em predestinação. Ainda que em suas orações e ações demonstrem que realmente não acreditem. Outros simplesmente reconhecem o dilema admitindo, “Eu não sei em que acredito.”

O dilema que enfrentamos é que a Bíblia nos diz para ‘escolher a vida que queremos viver,’(Deuteronômio 30:19), mas ela também nos diz que isto não “depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia.”(Romanos 9:16). De um lado, as Escrituras ensinam que Deus é paciente conosco, “não querendo que ninguém se perca, senão que todos venham a arrepender-se” (II Pedro 3:9). Mas por outro lado, ela diz  Deus “Portanto, tem misericórdia de quem quer, e a quem quer endurece (o coração).” (Romanos 9:18) 

            Eu tenho me digladiado com estas aparentemente contraditórias passagens durante a maior parte de minha vida adulta. ENTÃO, foi muito confortante descobrir que os antigos Cristãos tinham lógica e escrituristicamente claras explicações para estas aparentes contradições. De fato, a compreensão deles sobre a presciência de Deus e o livro arbítrio do homem estão entra as mais razoáveis que já havia ouvido.

            Em contraste, uma vez mais, era alguns dos mestres gnósticos quem ensinavam que os humanos estavam arbitrariamente predestinados para salvação ou punição. Obviamente, se fossemos totalmente depravados como um resultado de nosso ser ter sido criado por um Deus injusto, inferior (conforme os gnósticos ensinavam), nossa salvação pode apenas vir a acontecer através da eleição de Deus. Em seu trabalho intitulado Sobre as Primeiras Coisas, Orígenes se refere a muitos dos argumentos escriturísticos que os gnósticos estavam usando. Ele também respondeu algumas das questões sobre livre arbítrio e predestinação que seus estudantes lhe haviam colocado. Aqui esta um excerto da discussão de Orígenes: 

“Uma das doutrinas incluídas nos ensinos da Igreja é que há um justo julgamento de Deus. Este fato incita aqueles que nisto acreditam a viverem virtuosamente e a banir o pecado. Eles reconhecem que as coisas dignas de louvor ou culpa estão circunscritas a nosso próprio poder.”

“É nossa responsabilidade viver justamente. Deus pede isto de nós, não como se isto fosse dependente Dele, nem de qualquer outro Ser, ou dependente do destino (come alguns pensam), mas como sendo inicialmente dependente de nós. O profeta Miquéias demonstrou isto quando disse, ‘Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor requer de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benevolência, e andes humildemente com o teu Deus?’[Miquéias 6:8]. Moisés também disse, ‘O céu e a terra tomo hoje por testemunhas contra ti de que te pus diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência,’ [Deuteronômio 30:19]”

“Perceba como Paulo também nos fala com o entendimento de que temos liberdade de vontade e que nós mesmos somos a causa de nossa própria ruína ou de nossa salvação. Ele diz, ‘Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te conduz ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras; a saber: a vida eterna aos que, com perseverança em fazer o bem, procuram glória, e honra e incorrupção; mas ira e indignação aos que são contenciosos, e desobedientes à iniqüidade.’[Romanos 2:4-8]”

 “Mas certas declarações no Velho Testamento podem levar à conclusão oposta: De que não depende de nós guardar os mandamentos e ser salvos. Ou transgredi-los e se perder. Vamos então examiná-las uma a uma.”

 “Primeiramente, as declarações concernentes a Faraó que têm perturbado muitos. Deus declarou várias vezes, ‘Eu endurecerei o coração de Faraó’[Êxodo 4:21]. É claro, se Faraó foi endurecido por Deus e pecou como um resultado de ter sido endurecido, ele não fora a causa de seu próprio pecado. Então ele não possuia livre arbítrio.”

            “Junto com esta passagem, vamos dar uma olhada na passagem de Paulo: ‘Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para uso honroso e outro para uso desonroso?’[Romanos 9:20,21]”

 “Desde que consideramos Deus tanto como sendo bom e justo, vamos ver como o bondoso e justo Deus poderia endurecer o coração de Faraó. Talvez por uma ilustração usada pelo apóstolo na Epístola aos Hebreus, podemos demonstrar que, pela mesma operação, Deus pode mostrar misericórdia para com um homem enquanto Ele endurece a um outro embora não com a intenção de endurecer. ‘Pois a terra,’ Ele diz , ‘que embebe a chuva, que cai muitas vezes sobre ela, e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção da parte de Deus; mas se ela produz espinhos e abrolhos, é rejeitada, e perto está da maldição; o seu fim é ser queimada.’[Hebreus 6:7,8]”

“Pode parecer estranho para Ele que produz a chuva dizer. ‘Produzi tanto fruto e espinhos a partir da terra.’ Ainda, embora seja estranho, é verdadeiro. Se a chuva não tivesse caído, não haveria nem fruto e nem espinhos. A bênção da chuva, portanto, cai mesmo sobre a terra improdutiva. Mas desde que ela foi negligenciada e não cultivada, produziu espinhos e cardos. Da mesma maneira, os maravilhosos atos de Deus são como a chuva. Os diferentes resultados são como a terra cultivada e negligenciada.”

“Os atos de Deus são como o sol, que poderia dizer, ‘Eu tanto posso suavizar como endurecer.’ Embora estas duas ações sejam opostas, o sol não poderia falsamente falar, pois o mesmo calor tanto pode amolecer a cera como endurecer a lama. Semelhantemente, pelo outro lado, os milagres realizados através de Moisés endureciam Faraó por causa de sua própria iniqüidade. Mas eles amoleceram a multidão egípcia que se misturou aos hebreus e que deixou o Egito junto com eles”

 “Vamos dar uma olhada em outra passagem: ‘Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia.’[Romanos 9:16]. Paulo não está negando que alguma coisa também tem de ser realizada através de meios humanos. Mas ele agradecidamente refere-se ao benefício trazido por Deus, o qual o traz em sua plenitude. O mero desejo humano é insuficiente para chegar até o fim. A mera corrida não capacita em si o atleta a ganhar o prêmio. Nem isto capacita os Cristãos a ganharem o sumo chamado de Deus em Cristo, Jesus. Essas coisas somente são alcançadas com a assistência de Deus.”

            “Como se estivesse falando a fazendeiros, Paulo disse ‘Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. De modo que, nem o que planta é coisa alguma, nem o que rega, mas Deus, quem dá o crescimento.’[I Coríntios 3:6,7] Agora não podemos corretamente dizer que o crescimento dos grãos é o único trabalho do fazendeiro. Nem daquele que irriga. É em última instância o trabalho de Deus. Da mesma maneira, não é que nós mesmos não exerçamos nenhum papel em nosso crescimento espiritual rumo a perfeição. Ainda, isto não é complementado por nós, pois Deus produz a maior parte deste trabalho. Assim também é com nossa salvação. O que deus faz é infinitamente maior do que aquilo que fazemos.”[7] 

Pode Deus Prever o Futuro?

Embora não acreditando em predestinação, os antigos Cristão fortemente acreditavam na soberania de deus e em Suas habilidades para prever o futuro. Por exemplo, eles compreendiam  que as profecias de Deus sobre Jacó e Esaú como sendo um resultado de Sua previsão do futuro, não como um resultado de Sua arbitrariedade em predestinar esses homens para um destino particular. Mas eles viam uma significativa distinção entre prever alguma coisa e ser a causa dela.  

O Significava o Batismo para os Antigos Cristãos?

            Eu ainda me lembro a primeira vez que li as palavras de Jesus a Nicodemos: “Na verdade, na verdade te digo, a não ser que o homem nasça da água e do Espírito ele não pode entrar no reino de Deus” (João 3:5 NAS). Era um jovem garoto naquela época e estava lendo aquele versículo em um pequeno grupo de estudo da Bíblia. O professor fez a seguinte questão, “o que significa ser nascido da água?” Pensei por um momento e rapidamente ergui a minha mão. “Jesus deve estar se referindo ao batismo de água,” eu enchi o peito e sentia orgulhoso de mim mesmo por ter conseguido descobrir aquilo. Entretanto, para minha decepção, o professor explicou que isso era um erro comum de conceito e que ‘nascer da água’ não era o batismo de água.

            Ao longo dos anos procurei corrigir outros que pensavam “erradamente” que esta passagem se referia ao batismo de água. Eu me sentia muito inteligente em ser capaz de explicar a interpretação “correta”. Então meu navio ficou completamente sem rumo quando descobri que os primeiros Cristãos universalmente compreendiam as palavras de Jesus como se referindo realmente ao batismo de água.

            E mais uma vez, eram os gnósticos que ensinavam diferentemente da Igreja, dizendo que os humanos não poderiam nascer de novo ou regenerados através das águas do batismo. Irineu escreveu deles: “Esta classe de homens tendo sido instigados por Satanás a negarem que o batismo seja uma regeneração para Deus.”[1]

            Nas igrejas evangélicas de hoje, o batismo de água é freqüentemente visto como uma questão um tanto insignificante, pelo menos no processo de salvação. Entretanto, o batismo era da mais alta importância para os primeiros Cristãos. Eles associavam três grandes questões com o batismo de água: 

  1. Remissão dos pecados.  

Eles acreditavam que o batismo de água cancelava todos os pecados passados. Por exemplo, Justino Mártir escreveu: "Não há nenhuma outra maneira [de obter as promessas de Deus] do que isto – tornar-se conhecido de Cristo, ser lavado na fonte falada por Isaías para a remissão dos pecados, e para os que permanecerem, viverem uma vida livre de pecados."[2] 

Eles baseavam suas idéias sobre batismo para a remissão dos pecados nas seguintes passagens Bíblicas, entre outras: 

• Atos 22:16 “Agora por que te demoras? Levanta-te, batiza-te e lava os teus pecados, invocando o seu nome.” 

• Tito 3:5 “ não em virtude de obras de justiça que nós houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou mediante o lavar da regeneração e renovação pelo Espírito Santo,” 

• I Pedro 3:21 “que também agora, por uma verdadeira figura - o batismo, vos salva, o qual não é o despojamento da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo,” 

• Atos 2:38 “Pedro então lhes respondeu: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo.” 

Uma vez que este “lavamento dos pecados” era completamente independente de qualquer mérito por parte da pessoa batizada, batismo era freqüentemente referido como “graça”. Fiquei surpreso em descobrir que os primeiros Cristãos usavam o termo “graça” para um ato específico tal como o batismo. Alguns anos atrás nossa classe de adultos da Escola Dominical estava estudando as crenças da Igreja Católica Romana, nós discutimos o uso deles da palavra “graça” para se referirem aos sacramentos administrados pelo sacerdote. Eu me lembro de ter pensado comigo mesmo, “Católicos realmente entenderam tudo errado!” Percebo agora que o uso Católico do termo  pode estar mais próximo do jeito de como os Cristãos do Novo Testamento compreendiam tal palavra. 

2. O Novo Nascimento.

Baseado nas palavras de Jesus a Nicodemos, os antigos Cristãos também acreditavam que o batismo de água era o canal através do qual uma pessoa nascia novamente, Irineu mencionou isto em uma discussão sobre batismo, “Assim como nós leprosos no pecado, somos limpos de nossas antigas transgressões por intermédio da água sagrada e a pela invocação do Senhor. Somos então desta forma espiritualmente regenerados como infantes recém nascidos, mesmo como o próprio Senhor declarou; ‘A não ser que um homem nasça de novo através da água e do Espírito ele não pode entrar no reino dos céus’”.3 [João 3:5] 

3. Iluminação Espiritual.

Os antigos Cristãos acreditavam que as pessoas recém batizadas, após receber o Espírito Santo, tinham uma visão mais clara dos assuntos espirituais, recebendo iluminação como um filho de Deus e um cidadão de Seu reino. 

Clemente de Alexandria discutiu todos os três destes eventos espirituais associados com o batismo: “Este trabalho é variavelmente chamado graça, uma iluminação, e perfeição e lavamento. Lavamento pelo qual somos limpos de nossos pecados. Graça, pelo qual vemos Deus claramente.”[4] 

Em uma carta a um jovem amigo Cristão, Cipriano explicou seu próprio batismo de uma forma semelhante, “Considerando meu caráter na época, eu costumava olhar para isto como uma questão difícil de que um homem devesse ser capaz de nascer de novo….Ou de que um homem que havia sido revivido para uma nova vida no banho da água salvífica pudesse ser capaz de despir-se daquilo que ele havia sido anteriormente – de que pudesse mudar de coração e alma, enquanto mantivesse seu corpo físico….Costumava ser indulgente ao pensar que meus pecados fizessem parte de mim, inerentes a mim. Todavia, mais tarde, pelo auxílio da água do novo nascimento, a mancha dos antigos anos foi apagada pelo lavamento, e uma luz dos céus – serena e pura foi introduzida ao meu coração reconciliado. Então embora o Espírito sussurrasse dos céus, um segundo nascimento restaurou-me para um novo homem.”[5] 

Batismo Não Era Um Ritual Vazio

Resumindo, batismo no Cristianismo primitivo era o rito supernatural da iniciação pela qual o novo crente deixava de ser o velho homem carnal para ser um novo homem renascido do espírito. Entretanto, por favor não pensem nessas práticas como um ritual vazio. Os antigos Cristãos não separavam batismo da fé e do arrependimento. Batismo não era algum ritual mágico que pudesse regenerar uma pessoa se esse não fosse acompanhado de fé e arrependimento. Eles especificamente ensinavam que Deus não estava sob obrigação alguma em conceder perdão dos pecados simplesmente porque uma pessoa passou pelas águas do batismo.[6] Uma pessoa sem fé não era renascida através das águas do batismo.

Em sua Primeira Apologia, Justino Mártir explicou aos pagãos como fé, arrependimento e batismo estavam inseparavelmente interligados: “Aqueles que estão convencidos de o que ensinamos seja verdadeiro e que desejem viver de acordo  são instruídos a jejuar e orar a Deus para a remissão de todos os seus pecados passados. Nós também oramos e jejuamos com eles. Então trazemo-los a  um lugar onde exista água, e eles são regenerados da mesma maneira em que nós fomos regenerados. Eles então recebem o lavamento com água em nome de Deus (o Pai e Senhor do Universo) e de nosso Salvador Jesus Cristo, e do Santo Espírito. Pois Cristo disse, ‘A menos vós nasceis de novo, não podereis entrar no reino dos céus.’”[7] [João 3:5]


Estariam as Pessoas Não Batizadas Automaticamente Condenadas?

Uma coisa que particularmente me impressiona sobre os antigos Cristãos é que eles nunca colocaram Deus dentro de algum limite físico, espacial ou temporal. Por exemplo, eles sempre acreditaram que Deus faria aquilo que fosse amável e justo em relação aos pagãos que nunca tiveram a oportunidade de ouvir sobre Cristo. Da mesma forma, eles acreditavam que embora o batismo fosse o canal normal da graça e o meio para o renascimento, Deus não necessariamente estava limitado por isto. Por exemplo, eles acreditavam que bebês não batizados que morriam na infância poderiam ainda ser salvos. Foi Agostinho, escrevendo alguns séculos mais tarde quem ensinou que todos os infantes sem batismo estariam condenados.

Um outro exemplo era aquele dos mártires. Muitos novos crentes foram martirizados antes que tivessem mesmo uma chance de serem batizados. A antiga igreja sabia que o Deus de amor não abandonaria tais pessoas. A igreja dizia que, em um sentido, eles haviam sido batizados em um batismo de sangue. Desta forma os antigos Cristãos enfatizavam o significado do batismo e seu papel no novo nascimento, eles não retratavam Deus como um Ser frio e inflexível que não pudesse trabalhar de nenhuma outra maneira. 

O Ritual Evangélico da Passagem

Interessantemente, nós evangélicos parecemos reconhecer a necessidade de algum tipo de cerimônia iniciatória ou rito de passagem para marcar o renascimento Cristão. Mas suficientemente estranho, nós temos geralmente rejeitado a cerimônia histórica do renascimento batismal e desenvolvemos nossa própria cerimônia especial – o chamado para o altar. Quando Pedro pregou aos Judeus no dia de Pentecostes, seus ouvintes lhe perguntaram, “O que faremos varões irmãos?” (Atos 2:37). Acaso disse Pedro a eles para que se adiantassem à frente da multidão e aceitassem Jesus e o convidasse aos seus corações? Não, ele lhes disse, “Arrependei-vos, e seja cada um de vós batizados no nome de Jesus Cristo para o perdão de vossos pecados” (Atos 2:38 NAS).

Após Filipe explicar o evangelho ao eunuco Etíope, o que fez ele? Ele imediatamente o batizou (Atos 8:34-38). Da mesma maneira, quando Deus demonstrou a Pedro (pelo derramamento do Espírito sobre Cornélio) que o Cristianismo estava aberto aos Gentios, a primeira coisa que Pedro fez foi batizar Cornélio e sua família (Atos 10:44-48). Quando Paulo pregou no meio da noite ao carcereiro filipense e a sua casa, acaso Paulo se utilizou de algo parecido a um chamado ao altar? Não! A Escritura diz: “então lhes ensinou a palavra do Senhor a ele e a todos os outros de sua casa. Àquela hora da noite o carcereiro os tomou e lavou suas feridas; então imediatamente ele e toda a sua família foram batizados” (Atos 16:32,33).

Uma vez que sentimos a necessidade de associar nosso renascimento espiritual com uma hora fixa e um dia determinado, por que não o conectamos ao batismo ao invés do chamado ao altar? Na verdade, o chamado do altar e as orações associadas são um produto dos movimentos revivacionistas dos séculos dezoito e dezenove, eles eram desconhecidos a qualquer Cristão antes desta época.