Uma História Deficiente:

UMA ANÁLISE CRÍTICA DE “SOB A BANDEIRA DO PARAÍSO: Uma História Violenta de Fé”  

Versão original em Inglês pode ser encontrada aqui no Sítio Oficial da Igreja, junto com mais duas outras revisões críticas, a de Mike Oterson e a de Robert L . Millet/ Richard L. Evans.

Por  Richard E. Turley, Jr.

            Em Julho de 2003, o autor popular Jon Krakauer lançou um livro argüindo que crenças religiosas em geral, e a fé da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em particular, freqüentemente incitam a violência de seus fiéis.

            Desde sua organização em 1830, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias tem sido sujeita a muitas publicações sensacionalistas e exageradas, cada uma das quais com o propósito de revelar a verdade e os fatos sórdidos das vidas dos líderes dos Santos dos Últimos Dias e seus membros. Apesar das alegações de objetividade e acuidade histórica, tais publicações consistentemente apresentam o mesmo padrão: um esforço já pré-agendado e direcionado através de seleção extraída de rumores e meias-verdades, revestidos nos emaranhados da erudição acadêmica. Infelizmente para aqueles que gostariam de conhecer mais sobre a história dos Santos dos Últimos Dias ou da possível relação entre crenças religiosas e violência, o livro de Krakauer “Sob a Bandeira do Paraíso: Uma História Violenta de Fé” sofre destas mesmas falhas fatais. Embora existam numerosos problemas com o livro, bastante o suficiente para invalidar qualquer conclusão sobre violência e suas relações, se quaisquer existentes com a fé religiosa, os erros primários da abordagem de Krakauer são os seguintes:

 · Pré-disposição anti-Religiosa.

Krakauer, um declarado agnóstico, aborda o tópico com uma decididamente pré-disposição anti-religiosa, uma pré-disposição que parece ter sido o padrão que usou para determinar quais “fatos” deveriam ser considerados e como deveriam ser interpretados.

 · Declaração de Inverdades como Fatos.

Krakauer estabelece como fato algumas coisas que simplesmente “não são verdadeiras”, tais como os eventos em volta do julgamento de 1826 em que Joseph Smith foi preso, a singularidade da Carta de direito da Cidade de Nauvoo, o papel e destino de Orrin Porter Rockwell na tentativa de assassinato contra o Governador Boggs, e a datação da carta de Brigham Young ordenando que os habitantes do sul de Utah para não molestarem os emigrantes no episódio de Mountain Meadows.

 · Apresentação de Incertezas Históricas como Fato.

Krakauer apresenta como fato histórico e sem discussão eventos para os quais a evidência é discutível e na melhor das vezes não convincentes, tais como um relacionamento de 1831 entre Joseph Smith e Marinda Johnson, ou para o que existe de evidências consideráveis em favor de uma explicação alternativa, tais como os eventos que envolveram o Massacre de Mountain Meadows.

 · Hipóteses Principais não Apoiadas pela Evidência.

O inteiro argumento de Krakauer falha porque ele nunca providencia qualquer evidência que religião, ou até mesmo o fanatismo religioso, promova mais violência do que promova a paz. A história de genocídios no século XX sob a liderança de homens tais como Pol Pot, Stalin, Mao Tse Tung, e Hitler diretamente refutam a hipótese de Krakauer. Enquanto seja verdade que pessoas religiosas possam ser violentas, parecem realizar um insignificante papel na maior parte da violência registrada diariamente – violência aparentemente fomentada pelas drogas, problemas domésticos, alcoolismo, imoralidade e ambição.

 · Padrões de Violência Religiosa Sem Nenhum Suporte.

E mesmo se a “evidência” providenciada por Krakauer pudesse ser aceita conforme apresentada, Krakauer não apresenta nenhuma evidência, estatística, ou argumento para apoiar a asserção de que isto demonstre um padrão de violência ou uma tendência de violência dentro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ou entre seus membros e líderes ao invés destes episódios serem alguns poucos casos isolados em um ambiente fundamentalmente pacífico, não-violento numa tolerante comunidade de fiéis.

Talvez a razão para estes erros primários é que Krakauer não é um historiador, mas um novelista. Talvez não conheça a Igreja SUD, seus membros ou sua história tão bem a fim de apresentar uma visão histórica factual, sem pré-disposições. De qualquer forma, parece bem vergonhoso que um célebre autor pudesse misturar inverdades históricas e informações tiradas de artigos difamatórios religiosos a fim de proporcionar uma leitura longe de qualquer suspeita.

 A Análise Crítica de RICHARD TURLEY

            No tão citado livro “Falácias de Historiadores: Na direção da Lógica do Pensamento Histórico”, David Hackett Fischer condena aqueles que chegam em generalizações baseadas em amostragens insuficientes: Há uma história, talvez apócrifa, de um cientista que publicou uma assombrosa e improvável generalização sobre o comportamento dos ratos. Um colega incrédulo foi até o seu laboratório e polidamente lhe pediu para ver os registros das experiências sobre os quais a generalização estava baseada. “Aqui estão”, disse o cientista, puxando um caderno de uma pilha de papéis em sua mesa. E apontando para uma gaiola no canto, acrescentou, “e ali está o rato”.1

Ansioso em provar sua própria hipótese, Jon Krakauer, autor de “Sob a Bandeira do Paraíso: Uma História Violenta de Fé”, 2 usa o anômalo caso de assassinato de 1984 envolvendo os Lafferty para “vislumbrar o violento passado do Mormonismo” e examina ”os porões da mais bem sucedida fé nascida em solo americano.”3 Embora o livro possa apelar para pessoas notoriamente com culpa no cartório, leitores sérios que quiserem entender  os Santos dos Últimos Dias e sua história não precisam perder seu tempo com isto.

Uma Agenda Já Pré-determinada

Ostensivamente focalizado em assassinatos cometidos por irmãos que haviam sido excomungados da Igreja, o livro de Krakauer é na verdade uma condenação da religião em geral. O autor agnóstico escreve, “Eu não sei o que Deus é, ou o que Deus tinha em mente quando o universo foi posto em movimento. De fato eu não sei nem mesmo se Deus existe, embora confesse que algumas vezes já me encontrei orando em épocas de grande temor ou desespero, ou assombrado à vista de uma beleza inesperada”. Ele parece acreditar que Deus seja desconhecido nesta vida. “Na ausência de convicção”, ele conta de sua falha em encontrar fé, “Cheguei aos termos de fato que a incerteza é um corolário inescapável da vida”. Ele reconhece partilhar com a maioria da humanidade um temor pela morte, uma ânsia “em compreender como chegamos até aqui e o porquê”, e uma dor “em reconhecer o amor de nosso criador”. Ainda, acredita ele “nós sem dúvida sentiremos aquela dor, a maioria de nós, enquanto acontecer de estarmos vivos.” A falha de seu sistema de (des)crença é um tema que permeia seu livro: “Aceitação do essencial escrutínio da existência…e na verdade preferível do que o seu oposto: capitular a tirania da intransigência da crença,” isto é,  a religião.4

 “Há um lado negro da devoção religiosa que é muito freqüentemente ignorado ou negado,” ele se coloca no prólogo. ”Como um meio de motivação para que pessoas sejam cruéis e inumanas – como um meio de motivar pessoas em serem malignas, para tomar emprestado o vocabulário do devoto – não pode de fato existir nada mais efetivo do que religião”. Referindo-se aos “Fundamentalistas Islâmicos” que resultou nos assassinatos de 11 de Setembro de 2001, ele continua dizendo que “os homens têm cometido os mais hediondos atos em nome de Deus, mesmo desde que a humanidade começou a acreditar em deidades, e extremistas existem dentro de todas as religiões.” Ele acha que “a História não tem faltas de exemplos de Muçulmanos, Cristãos, Judeus, Sikhs e até mesmo de Budistas que foram motivados pelas escrituras a esquartejar inocentes. Violência baseada na fé esteve presente muito tempo antes de Osama bin Laden, e estará conosco muito tempo após a sua deposição.”5

            Ele admite, “Em qualquer empreitada humana, alguma fração de seus participantes serão motivados a tal atividade com foco tão concentrado e com uma paixão tão desenfreada que eventualmente os consumirão. Não precisamos olhar não mais longe do que indivíduos que se sentem compelidos a devotar suas vidas para se tornarem pianistas de concertos, ou digamos, escalar o Mt. Everest”. Ao não providenciar nenhuma metodologia científica a fim de mensurar o extremismo, ele alega que “parece ser especialmente prevalente entre aqueles inclinados a causas religiosas ações temperamentais e impetuosas.”

            E quando o fanatismo religioso suplanta o racional, todas as apostas podem ser lançadas. Qualquer coisa pode acontecer. Absolutamente qualquer coisa. Senso comum não é páreo para a voz de Deus – conforme as ações de Dan lafferty atestam vividamente. 6 O caso Lafferty, o sujeito e propósito deste livro, torna-se meramente uma ilustração desta teoria.

Uma História Inacurada

Para sustentar seu caso as “raízes de seu crime [os irmãos Laferty] jaz profundamente na história de uma religião Americana praticada por milhões”, 7 Krakauer apresenta decididamente uma visão negativa e parcial da história Mórmon.

Referindo-se ao bem conhecido julgamento de Joseph Smith em 1826, por exemplo, Krakauer alega que “um desapontado cliente preencheu uma acusação legal acusando Joseph de ser uma fraude”. 8 Esta asserção mostra a não familiaridade com o aspectos básicos do julgamento em questão, assim como sua tendência em girar a evidência negativamente. Na realidade, o julgamento foi resultado não de um cliente desapontado, mas de perseguidores que levaram Joseph até a corte acusando-o de ser um desordeiro social por causa de seu suposto defraudamento de seu empregador, Josiah Stowell. Conforme um moderno erudito em Direito percebeu, o qual estudou cuidadosamente o caso, o próprio Stowell “enfaticamente negou que houvesse sido enganado ou defraudado”. 9 Como resultado de seu testemunho, Joseph não foi achado culpado e liberado.10 

            Krakauer também força a verdade ao escrever sobre eventos modernos da Igreja. Ele assistiu ao “pageant Cumorah Hill” em Palmyra, New York, e retrata isto como tendo “a energia de um concerto de rock, mas sem bebidas alcoólicas, penteados malucos… ou nuvens de fumaça de maconha.”11 Sem citar qualquer fonte, ele exageradamente declara que “mais cedo ou mais tarde a maioria dos Santos dos Últimos Dias fazem uma peregrinação até lá.” Embora o “pageant” seja popular, a maioria dos Santos dos Últimos Dias nunca o assistiram e a maioria nunca o assistirão.

            O autor demonstra algum conhecimento da doutrina da Igreja e da sua estrutura administrativa, ainda que cometa alguma gafes que sinaliza para seu genérico e pobre domínio do assunto em questão.

            Por exemplo, ele se refere a Mark E. Petersen, um membro do Quórum dos Doze Apóstolos, como o “Presidente SUD”, 13 um erro óbvio. Krakauer demonstra sua ignorância da Bíblia e do Livro de Mórmon quando se refere a Labão como “magnata pastor, rico, manipulador e mau que aparece nas páginas do Livro de Mórmon e do Velho Testamento”. 14 O Labão do Velho Testamento, que é tio e sogro do patriarca Jacó e irmão de Rebeca, viveu muitas centenas de anos antes do Labão do Livro de Mórmon. 

Aceitando uma asserção desinformada, Krakauer escreve que Nauvoo, cidade sede da Igreja de 1839 a 1846, possuía “direitos e poderes de soberania únicos não somente no Illinois, mas em toda a nação” como um resultado de “uma Carta altamente ímpar”. 15 Sua interpretação não está informada do recente trabalho acadêmico de Glen M. Leonard “Nauvoo: Um Lugar de Paz, um Povo da Promessa” onde corretamente anota: Durante os dois anos anteriores, a legislatura do Illinois garantiu Cartas Cidade à cidade líder em mineração de Galena na fronteira norte do Illinois, à nova capital do estado em Springfield e à Quincy, no condado Adams vizinho a Nauvoo. Antes disto, apenas para Chicago e Altons tinham sido emitidas Cartas Cidades, ambas em 1837. Cada uma das Cartas, em sucessão, haviam se baseado em suas predecessoras, criando um padrão de familiaridade para os legisladores do Illinois. O comitê de planejamento de Quincy se referiu às Cartas emitidas para Chicago e Alton e a uma de St. Louis, no Missouri. A proposta de Nauvoo agrupou propostas, imitando aquelas já aprovadas nos três mais recentes casos franqueados – Galena, Quincy e Sprigfield. Um extenso tratado da autoridade legislativa do conselho da cidade de Nauvoo foi copiado palavra por palavra a partir da carta de Springfield – uma prática comum e legítima. 16

            Krakauer reconhece que embora Joseph Smith “venerasse a Constituição dos USA,” ele “tanto em atos e palavras…repetidamente demonstrava que ele próprio tinha pouco respeito pelas idéias religiosas de não-Mórmons, e era improvável de respeitar os direitos constitucionais de outros credos.”17 Eruditos mais sérios de Joseph Smith, entretanto, compreendem que ele geralmente tinha uma grande consideração pelos direitos dos outros. Falando aos seus seguidores num serviço Dominical perto do incompleto templo de Nauvoo em 9 de Julho de 1843, Joseph declarou: Se já foi demonstrado que sempre desejei morrer por um Mórmon, estou pronto a declarar de peito aberto diante dos céus que estou igualmente preparado para morrer por um Presbiteriano, um Batista ou membro de qualquer outra denominação. – É um amor pela liberdade que inspira minha alma, liberdade tanto civil como religiosa. 18

            Krakauer também aceita a idéia de que Orrin Porter Rockwell tentou assassinar o ex-governador do Missouri Lilburn W. Boggs após Joseph Smith propositadamente ter profetizado que Boggs morreria. Então ele escreve que “Rockwell não teve nenhuma dificuldade em evitar a prisão. Nem ele nem qualquer outro S.U.D. jamais foram trazidos à justiça pelo ato”. 19 Harold Schindler, entretanto, em sua criticamente aclamada biografia de Rockwell, conclui que se Rockwell atirou em Boggs “é uma questão de conjectura… Se Rockwell realmente disparou os fatídicos tiros, parece que a decisão foi de sua própria escolha”. 20 Rockwell foi eventualmente preso sobre “testemunho duvidoso”, acorrentado, aprisionado por meses, e alimentado com o que “poderia ser descrito como ‘comida para animais’.”21 Repetidas vezes foi assediado violentamente e quase linchado. “Conforme as semanas se passaram, aquele que uma vez era um mórmon bruto definhou até que não fosse mais que uma aparição. Seus cabelos cresceram longos e assanhados, infestado com vermes de seu calabouço, sua cela que parecia um túmulo; sua barba tornou-se impregnada com suor e sujeira; seus olhos afundaram para dentro das cavidades de sua face”. Após meses de sofrimento, ele foi finalmente trazido diante de um juiz, que o informou que “o grande júri recusou-se a trazer uma acusação contra ele” pela sua acusação original, mas havia decido acusá-lo por tentativa de fuga. “Rockwell retornou para sua cela para contemplar seu absurdo dilema: Ele estava livre de uma acusação, apenas para ser preso por tentativa de fuga da prisão quando a própria lei admitia que ele não deveria absolutamente ter sido preso”. Eventualmente, um júri achou-o culpado de tentativa de fuga e o sentenciou a 5 minutos na cadeia. Ele logo recebeu a ordem de soltura e tornou-se “um homem livre pela primeira vez em nove meses”. 22

Referindo-se a renúncia e abandono de oficiais federais do antigo território de Utah, Krakauer admite que “muitos… eram corruptos até o talo, e haviam vindo para Utah com a intenção de enriquecerem-se com subornos, uma abordagem que apesar de dura, pelo menos possui alguma base de fato. Krakauer segue em dizer que a maioria destes oficiais deixaram Utah por temor de ”que se permanecessem eles iriam receber uma inesperada visita de Porter Rockwell e serem mortos – o que de fato aconteceu a não documentado número de agentes federais.”23 Ele não explica como sabe a respeito destas mortes, ou qual evidência crível ele possui de que elas realmente ocorreram, quando elas mesmo são, por sua própria admissão, ”não documentadas”.

UMA “HISTÓRIA” SENSACIONAL

            Novamente aceitando de pronto uma história sensacionalista – uma que aparece na biografia de Fawn Brodie sobre Joseph Smith, a principal fonte para seu livro – Krakauer escreve: “No verão de 1831 a família Johnson tomou Joseph e Emma Smith em seu lar como moradores, e logo em seguida o profeta propositadamente deitou-se com a jovem Marinda. Infelizmente, a ligação aparentemente não se passou desapercebida, e uma gangue de indignados Ohianos – incluindo um número de Mórmons – resolveram castrar Joseph para que ele fosse desinclinado a cometer tais atos de devassidão no futuro.” 24 Embora Marinda provavelmente se tornaria uma esposa plural de Joseph Smith mais tarde, Brodie e Krakauer apresentam apenas parte da evidência – a porção que satisfaz sua luxúria pelo sensacional.

            Considere uma análise mais balanceada de Todd Compton, em “In Sacred Loneliness: The Plural Wives of Joseph Smith”:

            A motivação para esta turba tem sido debatida.  Clark Braden, um antagonista posterior, testemunha que ouviu falar em segunda mão, em um polêmico debate público, que o irmão de Marinda, Eli, liderou uma turba contra Smith porque o profeta estava sendo íntimo demais com Marinda. Esta tradição sugere que Smith possa ter se casado com Marinda desde muito tempo antes, e alguns fatos circunstanciais podem sustentar tal possibilidade. A tentativa de castração pode ser tomada como evidência de que a turba achava que Joseph havia cometido uma improbidade sexual; uma vez que o atentado é relatado por Luke Johnson, não há nenhuma boa razão para se duvidar dele. As primeiras revelações sobre poligamia haviam sido recebidas desde 1831, de acordo com a datação do historiador Danel Bachman.

             Também, Joseph Smith tendia a se casar com mulheres que habitaram em sua casa ou na casa de quem ele habitou. Muitos outros fatores, entretanto, argúem contra esta teoria. Primeiramente, Marinda não tinha nenhum irmão chamado Eli, o que sugere que a acusação de Braden, tardia como ela é, é distorcida e não confiável. Em adição, dois relatos antagônicos por Haden e S.F. Whitney dá uma razão inteiramente diferente para a turba, com um líder inteiramente diferente também, Simonds Ryder, um ex-mórmon, embora os irmãos Johnson ainda fossem participantes. Nestes relatos a razão para a violência era econômica: os rapazes de Johnson estavam na turba por causa do “horrendo fato de que uma tentativa havia sido lançada para tomar a propriedade deles e colocá-la sobre o controle de Joseph Smith”. A castração, neste cenário, pode apenas ter sido uma ameaça, com intuito de intimidar Smith e forçá-lo a deixar Hiram [onde os Johnson’s viviam]. Após descrever o evento, Marinda apenas escreveu, “Aqui sinto como que prestando meu testemunho que durante todo o ano em que Joseph foi um hóspede na casa de meu pai eu nada vi de qualquer impropriedade em sua vida diária ou em sua conversação que me fizesse duvidar de sua missão divina.” Enquanto não seja impossível que Marinda tenha se tornado a primeira esposa plural de Smith em 1831, a evidência para tal casamento, baseando-se principalmente no tardio e não confiável Braden, não é muito forte e sustentável.

A menos que evidências de mais crédito possam ser encontradas, melhor seria proceder sob a premissa de que Joseph e Marinda não se casaram ou tiveram um relacionamento em 1831. 25

UMA HISTÓRIA PARCIAL

            Uma vez que o Massacre das Montanhas Meadows ajusta-se tão bem na tese de Krakauer, ele concede a este episódio um espaço generoso, mesmo que ele o faça novamente sem examinar criticamente por ele mesmo os fatos. Por exemplo, ele engole a visão tendenciosa de que a reunião de Brigham Young com os líderes indígenas em 1o. de Setembro de 1857 constituía uma ordem de extermínio para a companhia Fancher, “pois Brigham Young explicitamente “deu” aos Índios todo o gado emigrante da Trilha do Velhos Espanhóis – i.e., o prêmio das reses dos Fancher, que os Paiutes haviam cobiçadamente desejado quando eles acamparam próximos aos emigrantes exatamente uma semana antes. A mensagem do profeta aos líderes indígenas foi suficientemente clara: Ele queria que atacassem o comboio de carga Fancher [N.T. lembrem-se que Utah estava “virtualmente em guerra” contra os USA]. Na manhã após a reunião, os Paiutes deixaram a Cidade dos Santos logo ao amanhecer e começaram a cavalgar velozmente para o sul de Utah.” 26

            Como outros escritores que querem acreditar nesta teoria, ele deixa passar evidências cruciais. O relato de Dimick Huntington de sua interação com os Índios (o ponto crucial deste argumento) sugere que alguém – talvez Brigham Young ou talvez o próprio Huntington – deu aos Nativo Americanos o gado na rota sul. Mas nada no registro histórico particulariza esta direção para a companhia Fancher. Outras evidências demonstram que aos Índios do norte também foram dados o gado da rota norte. Em outras palavras, esta tão chamada “fumaça de guerra”, que é o ponto de linchamento em recentes publicações difamatórias sobre o massacre, resume-se a pouco mais de uma expressão generalizada na estratégia de guerra dos Santos da época ao permitirem aos Índios ficarem com o gado em troca de sua aliança. Isto é um longe grito de ordenar um massacre de um comboio de homens, mulheres e crianças. Além do mais, evidência substancial sugere que os Índios que participaram do famoso encontro não tomaram parte no massacre.

            Assim também como outros escritores recentes, Krakauer deve de alguma forma confrontar o fato de que quando Brigham Young soube sobre um possível ataque à caravana, ele enviou uma carta ordenando aos habitantes do sul de Utah para não molestarem os emigrantes. A carta é clara em seu conteúdo, embora alguns escritores, ansiosos em provar um caso circunstancial contra Brigham Young, tentam criar nenhum significado positivo ao alegarem que a ordem para não atacar a caravana era justamente o oposto (assumem que Sim que dizer Não, e Não quer dizem Sim num suposto código de guerra pré-combinado em Algum lugar e não sei Aonde). Para ainda menosprezar a carta, Krakauer declara: O texto real da carta de Brigham Young permanece com alguma dúvida, uma vez que o original desapareceu (junto com quase toda a documentação oficial pertencente ao Massacre das Montanhas Meadows). O excerto acima citado foi tirado de um alegado rascunho da carta que não apareceu até 1884, quando um funcionário SUD a encontrou nas páginas de um “Livro de Cartas de Igreja”. 27

Embora a carta tenha sido verdadeiramente citada em 1884, ela não apareceu pela primeira vez nesta data, e seu “texto real” não permanece “com alguma dúvida”. A quase maioria da correspond6encia de Brigham Young era copiada imediatamente após ter sido produzida e antes de ser enviada. As cópias – equivalentes às fotocópias de hoje – eram confeccionadas pela impressão das cartas originais com tinta entre páginas úmidas de um livro feito de cascas de cebola.

A umidade fazia com que a tinta fresca dos originais se infiltrasse nas cascas de cebola, criando uma imagem espelhada das cartas. Uma perfeita imagem espelhada da famosa carta de Young está exatamente onde deveria estar, no livro de cópias impressas de 1857 de Brigham. É uma cópia contemporânea e esteve disponível para ser usada pela promotoria no julgamento que levou ao aprisionamento de John D. Lee e a sua subseqüente execução nos anos de 1870.

 

Em um mais recente tópico, Krakauer refere-se às famosas fraudes de Mark Hofmann de 1980 e alega que “mais de 400 destes artefatos fraudulentos foram comprados pela Igreja SUD (a qual acreditavam serem eles autênticos) e então retidos em segredo numa tentativa de mantê-los longe dos olhos do público.”28 Isto é um exagero grosseiro. Na verdade, a maioria dos documentos adquiridos de Hofmann era insignificantes documentos legais ou governamentais. Embora fossem a eles designado uma baixa prioridade para catalogá-los por causa de sua pouca importância, eles não foram “retidos em segredo” em uma deliberada tentativa de “mantê-los longe dos olhos do público.”29 [Por exemplo, a cópia fraudulenta da benção de Joseph Smith ao seu filho concedendo-lhe o direito de dirigir a Igreja, foi trocada pela Igreja com nada mais nada menos do que a Igreja Reorganizada SUD (hoje, Comunidade de Cristo), a qual admitia para si este mesmo direito. Ou seja, longe de esconder qualquer documento, a Igreja de Jesus Cristo SUD cedeu um documento a quem seria um de seus maiores oponentes à legitimidade de sua posição].

CONCLUSÃO

            Embora outros exemplos possam ser dados, estes são suficientes para demonstrar que Krakauer realmente violenta a história Mórmon a fim de contar sua “História de Violenta Fé.” A grande maioria dos Santos dos Últimos Dias no século dezenove, como os Santos de hoje, era pessoas que amavam a paz e desejavam praticar sua religião em um espírito de não violência, permitindo “a todos os homens o mesmo privilégio, deixando-os adorar como, onde e o que quiserem.” 30

NOTAS

1. David Hackett Fischer, Historian’s Fallacies: Toward a Logic of Historical Thought (New York: Harper and Row, 1970), 109.

2. Jon Krakauer, Under the Banner of Heaven: A Story of Violent Faith (New York: Doubleday, 2003).

3. Krakauer, Under the Banner of Heaven, advance reading copy, back cover.

4. Krakauer, Under the Banner of Heaven, 287.

5. Ibid., xxii.

6. Ibid., xxiii.

7. Krakauer, Under the Banner of Heaven, advance reading copy, front cover.

8. Krakauer, Under the Banner of Heaven, 39.

9. Gordon A. Madsen, “Joseph Smith’s 1826 Trial: The Legal Setting,” Brigham Young University Studies 30 (Spring 1990):105.

10. Ibid.

11. Krakauer, Under the Banner of Heaven, 47.

12. Ibid., 44.

13. Ibid., 53.

14. Ibid., 132.

15. Ibid., 80.

16. Glen M. Leonard, Nauvoo: A Place of Peace, a People of Promise (Salt Lake City: Deseret Book Company and Brigham Young University Press, 2002), 101.

17. Krakauer, Under the Banner of Heaven, 81.

18. The Words of Joseph Smith, edited by Andrew F. Ehat and Lyndon W. Cook (Provo, Utah: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1980), 229.

19. Krakauer, Under the Banner of Heaven, 82.

20. Harold Schindler, Orrin Porter Rockwell: Man of God, Son of Thunder (Salt Lake City: University of Utah Press, 1983),

72–73.

21. Ibid., 75–90.

22. Ibid., 90–99.

23. Krakauer, Under the Banner of Heaven, 168.

24. Ibid., 90.

25. Todd Compton, In Sacred Loneliness: The Plural Wives of Joseph Smith (Salt Lake City: Signature Books, 2001), 231–232.

26. Krakauer, Under the Banner of Heaven, 179.

27. Ibid., 182.

28. Ibid., xxi.

29. See Richard E. Turley, Jr., Victims: The LDS Church and the Mark Hofmann Case (Urbana and Chicago, Illinois: University of Illinois Press, 1992).

30. The Articles of Faith of The Church of Jesus Christ of Latter-day Saints, Article 11, first published in 1842.

Sobre o Autor

Richard E. Turley Jr., é do diretor gerente do Departamento de História da Família e da Igreja de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.