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POLIGAMIA (Uma visão Islâmica do Assunto, por Dr.SherifAbdelAzeem Mohammed
extraído do site SBMRJ: Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de
Janeiro
Passemos agora para a importante
questão que é a poligamia. A poligamia é uma prática muito antiga, encontrada
em muitas sociedades humanas. A Bíblia não condenou a poligamia. Pelo
contrário, o Velho Testamento e os escritos rabínicos freqüentemente atestam a
legalidade da poligamia. Dizem que o Rei Salomão teve 700 esposas e 300
concubinas (Reis 11:3). Também o Rei Davi teve muitas esposas e concubinas (2
Samuel 5:13). O Velho Testamento tem algumas injunções em como distribuir a
propriedade de um homem entre seus filhos de diferentes mulheres (Deuteronômio
22:7). A única restrição com relação à poligamia é a proibição de tomar uma
irmã da esposa como uma esposa rival (Levítico 18:18). O Talmud aconselha a um
máximo de 4 esposas (51). Os judeus europeus continuaram a praticar a poligamia
até o século XVI.
Os judeus orientais praticavam a poligamia regularmente até a chegada a
Israel (Nota: a partir de 1948!), onde ela foi proibida por lei. Contudo, na
lei religiosa, que sobrepuja a lei civil em tais casos, a poligamia é permitida
(52).
E com relação ao Novo Testamento?
De acordo com o padre Eugene Hilman, em seu penetrante livro, a poligamia é
reconsiderada, "Em parte alguma do Novo Testamento há uma orientação
expressa de que o casamento deve ser monogâmico ou qualquer orientação que
proíba a poligamia". (53). Além disso, Jesus não falou contra a poligamia,
embora ela fosse praticada pelos judeus de sua época. O padre Hillman chama a
atenção para o fato de que a Igreja de Roma proibiu a poligamia, a fim de se
adequar à cultura Greco-romana (que prescrevia somente uma esposa legal,
enquanto que tolerava o concubinato e a prostituição). Ele citou Santo
Agostinho, "Agora, em nosso tempo, e de acordo com o costume romano, não é
mais permitido tomar uma outra esposa" (54). As igrejas africanas e os cristãos
africanos muitas vezes lembram a seus irmãos europeus que a proibição da
poligamia é mais uma tradição cultural do que uma autêntica injunção cristã.
O Alcorão também permitiu a poligamia, mas não sem algumas restrições: "Se
vós temeis não serdes capazes de conviver justamente com os órfãos, casai com
mulheres de sua escolha, 2 ou 3 ou 4 vezes; mas se temerdes que que não sereis
capazes de conviver justamente com elas, então casai somente com uma"
(4:13). O Alcorão, ao contrário da Bíblia, limitou o número de esposas
a 4, sob a estrita condição de que as esposas sejam tratadas igualmente. Isto
não deve ser entendido como uma exortação a que os crentes pratiquem a
poligamia, ou que a poligamia seja considerada como um ideal. Em outras
palavras, o Alcorão "tolera" ou "permite" a poligamia, e
não mais, mas por que? Por que a poligamia é permitida? A resposta é simples:
há lugares e épocas em que razões morais e sociais compelem para a poligamia.
Como os versos do Alcorão acima indicam, a questão da poligamia no Islam não
pode ser entendida como parte das obrigações da comunidade com relação aos
órfãos e viúvas. O Islam, como uma religião universal, aplicável para todos os
lugares e tempos, não poderia ignorar essas pressões.
Em muitas sociedades humanas, as
mulheres superam os homens em quantidade. Em um país como a Guiné, há 122
mulheres para cada 100 homens. Na Tanzânia, há 95,1 homens para 100 mulheres
(55). O que uma sociedade deve fazer para resolver esse desequilíbrio? Existem
várias soluções, e alguns podem sugerir o celibato, outros preferem o
infanticídio feminino (que ainda acontece no mundo de hoje em alguns lugares).
Outros, ainda, podem achar que a única saída é a sociedade tolerar todas as
formas de permissividade sexual: prostituição, sexo fora do casamento,
homossexualismo, etc. Para outras sociedades, como a maior parte das sociedades
africanas de hoje, a saída mais honrosa é permitir o casamento poligâmico, como
uma instituição culturalmente aceita e socialmente respeitada. A questão, que é
muitas vezes incompreendida no ocidente, é que muitas mulheres de outras
culturas necessariamente não vêm a poligamia como um sinal de degradação da
mulher. Por exemplo, muitas jovens noivas africanas, sejam cristãs ou
muçulmanas, prefeririam se casar com um homem casado, que tenha provado a ele
mesmo, ser um marido responsável.
Muitas esposas africanas persuadem seus maridos a tomar uma segunda
esposa e assim eles não se sentem sozinhos (56). Uma pesquisa realizada na
segunda maior cidade da Nigéria com 600 mulheres, com idades entre 15 e 59
anos, mostrou que 60% dessas mulheres não se importariam que seus maridos
tivessem uma outra esposa. Somente 23% expressaram raiva ante a idéia de
dividirem seus maridos com outras mulheres. 76% das mulheres que se
manifestaram numa pesquisa realizada no Quênia, viram a poligamia
positivamente. Em outra pesquisa realizada no campo, 25 de 27 mulheres
consideraram a poligamia melhor do que a monogamia.
Estas mulheres sentiram que a
poligamia pode ser uma experiência feliz e benéfica se as co-esposas cooperarem
umas com as outras (57). A poligamia, na maior parte das sociedades africanas é
uma instituição tão respeitada, que algumas igrejas protestantes começaram a
tolerá-la, "Embora a monogamia possa ser ideal para a expressão do amor
entre o marido e a esposa, a igreja deve considerar que em certas culturas a
poligamia é socialmente aceitável e que a crença de que a poligamia é contrária
ao cristianismo não se sustenta por muito tempo". (58) Depois de um
cuidadoso estudo sobre a poligamia africana, o Reverendo David Gitari, da
Igreja Anglicana, concluiu que a poligamia, como idealmente praticada, é mais
cristã do que o divórcio e o novo casamento, porque há uma preocupação com as
esposas e crianças abandonadas. (59) Eu pessoalmente conheço algumas esposas
africanas, finamente educadas, que apesar de terem vivido no Ocidente por
muitos anos, não fazem qualquer objeção à poligamia. Uma delas, que mora nos
USA, solenemente estimula seu marido a tomar uma segunda esposa para ajudá-la
na criação das crianças.
O problema do desequilíbrio entre
os sexos começa na verdade nos problemáticos tempos de guerra. Os índios
nativos americanos costumavam sofrer com essa desigualdade de número entre
homens e mulheres, principalmente após as perdas dos tempos de guerra. As
mulheres dessas tribos, que na verdade desfrutavam de uma alta posição,
aceitavam a poligamia como a melhor proteção contra a tolerância por atividades
indecentes. Os colonos europeus, sem oferecerem qualquer outra alternativa,
condenavam a poligamia indiana como "incivilizada" (60).
Após a segunda guerra mundial,
havia na Alemanha 7.300.000 mais mulheres do que homens (3.3 milhões delas eram
viúvas). Havia 100 homens na idade de 20 a 30 anos para cada 167 mulheres
naquele mesmo grupo de idade. (6l) Muitas dessas mulheres necessitavam de um
homem, não apenas como uma companhia mas, também, como um mantenedor para a
casa, num tempo de miséria e injustiça sem precedentes. Os soldados do exército
aliado vitorioso exploravam a vulnerabilidade dessas mulheres. Muitas jovens e
viúvas tinham ligações com membros das forças de ocupação. Muitos soldados
americanos e britânicos pagavam por seus prazeres com cigarros, chocolates e
pães. As crianças ficavam felizes com os presentes que os estrangeiros traziam.
Um menino de 10 anos, vendo esses presentes com outras crianças, desejava
ardentemente um "inglês" para a sua mãe e assim, ela não precisaria
passar fome por tanto tempo (62). Devemos perguntar para nossa consciência
sobre esta questão: O que dignifica mais uma mulher? Uma segunda esposa, aceita
e respeitada, ou uma prostituta virtual, como no caso da abordagem
"civilizada" das forças aliadas na Alemanha? Em outras palavras, o
que dignifica mais uma mulher, a prescrição alcorâmica ou a teologia baseada na
cultura do império romano?
É interessante notar que, em uma
conferência da juventude internacional, acontecida em Munique, em 1948, o
problema alemão do desequilíbrio no número de homens e mulheres foi discutido.
Quando ficou claro que não havia solução consensual, alguns participantes
sugeriram a poligamia. A reação inicial da reunião foi uma mistura de choque e
repugnância. Contudo, após um estudo cuidadoso da proposta, os participantes
concordaram que a poligamia era a única solução possível. Consequentemente, a
poligamia estava incluída entre as recomendações finais da conferência. (63)
Atualmente, o mundo possui mais
armas de destruição em massa do que jamais houve em qualquer tempo e as igrejas
européias podem, mais cedo ou mais tarde, se ver obrigadas a aceitar a
poligamia como o único caminho. O Padre Hillman, após muito pensar, admitiu
este fato, "É quase concebível que aquelas técnicas genocidas (nuclear,
biológica, química...) podem produzir um desequilíbrio tão drástico entre os
sexos que o casamento plural poderia ser um meio necessário de sobrevivência...
Em tal situação, os teólogos e os líderes das igrejas deveriam rapidamente
produzir razões importantes e textos bíblicos que justifiquem um novo conceito
de casamento". (64)
Nos dias atuais, a poligamia continua a ser a solução viável para alguns
males das sociedades modernas. As obrigações comunitárias a que o Alcorão se
refere, juntamente com a permissão da poligamia, são mais perceptíveis
atualmente nas sociedades ocidentais do que na África. Por exemplo, nos USA de
hoje, há uma séria crise na comunidade negra. Um em cada 20 jovens rapazes
negros podem morrer antes de atingir a idade de 2l anos. Para aqueles que estão
entre os 20 e 35 anos, o homicídio lidera a causa da morte (65). Além disso,
muitos rapazes negros estão desempregados, na prisão ou são viciados (66). Como
conseqüência, um em 4 mulheres negras, na idade de 40 anos, nunca se casaram,
enquanto que este número é de 1 para 10 mulheres brancas (67). Além do mais,
muitas jovens negras se tornam mães solteiras antes dos 20 anos e se encontram
na situação de serem mantidas. O resultado final dessas trágicas circunstâncias
é que há um aumento no número de mulheres negras comprometidas com
"homem-partilhado" (68). Isto é, muitas dessas infelizes mulheres
negras solteiras estão envolvidas em casos com homens casados. As esposas
muitas vezes não têm consciência do fato de que outras mulheres estão dividindo
seus maridos com elas. Alguns observadores da crise do "homem-partilhado"
na comunidade africana na América têm recomendado a poligamia consensual, como
uma resposta temporária para a diminuição do número de homens negros, até que
reformas mais abrangentes na sociedade americana sejam tomadas (69). Esses
observadores entendem poligamia consensual como a poligamia sancionada pela
comunidade e na qual todas as partes envolvidas concordem, em oposição ao
segredo dos casos com homens casados, os quais sempre prejudicam tanto a esposa
como a comunidade em geral.
O
problema do "homem-partilhado" na comunidade africana da América foi
ponto de discussão em um painel realizado na Universidade de Temple, na
Filadélfia, em 27.01.93 (70). Alguns dos palestrantes recomendaram a poligamia
como um remédio potencial para a crise. Eles também sugeriram que a poligamia
não podia ser banida por lei, particularmente em uma sociedade que tolera a
prostituição e o concubinato.. O comentário de uma das mulheres participantes,
de que os negros americanos precisavam aprender com a África, onde a poligamia
era praticada responsavelmente, conseguiu entusiásticos aplausos.
Philip Kilbride, um antropólogo
americano, de tradição católica romana, em seu livro provocativo,
"Casamento Plural para o Nosso Tempo", propõe a poligamia como
solução para alguns dos males da sociedade americana. Ele argumenta que o
casamento plural pode servir como uma alternativa potencial para o divórcio em
muitos casos,a fim de eliminar o impacto danoso do divórcio sobre as crianças.
Ele afirma que muitos divórcios foram causados pelo excessivo número de casos
extraconjugais ocorridos na sociedade americana. De acordo com Kilbride,
transformar um caso extraconjugal em um casamento poligâmico, ao invés do
divórcio, é melhor para as crianças. Além disso, ele sugere que outros grupos
também se beneficiarão do casamento plural, tais como: mulheres mais velhas,
que enfrentam uma crônica diminuição de homens e os negros americanos, que
estão envolvidos com o "homem-partilhado". (7l)
Em 1987, uma votação conduzida por um estudante de jornalismo da Universidade
de Berkeley, perguntava aos estudantes se eles concordavam que os homens
poderiam ser autorizados, por lei, a terem mais de uma esposa, tendo em vista a
visível diminuição do número de candidatos masculinos para o casamento na
Califórnia. Quase todos os votantes aprovaram a idéia. Uma estudante chegou a
declarar que o casamento poligâmico preencheria suas necessidades físicas e
emocionais, porque lhe daria maior liberdade do que uma união monogâmica (72).
Na verdade, o mesmo argumento foi usado por alguns poucos remanescentes das
mulheres fundamentalistas Mormom, que ainda praticam a poligamia nos USA.
(Nota: O corpo principal da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
aboliu a poligamia em 1890, alguns pequenos grupos decidiram não abandonar a
prática, foram excomungados do corpo principal e são hoje conhecidos como
mórmons fundamentalistas nos EUA!)
Elas acreditam que a poligamia é um
caminho ideal para a mulher ter, tanto profissão como crianças, uma vez que as
esposas se ajudam umas às outras no cuidado com os filhos.
Deve-se acrescentar que a poligamia
no Islam é questão de consenso mútuo. Ninguém pode forçar a mulher a se casar
com um homem casado. Além disso, a esposa tem o direito de estipular que seu
marido não deve se casar com outra mulher (74). A Bíblia, pôr outro lado,
algumas vezes vale-se da poligamia forçada. Uma viúva sem filhos deve se casar
com o seu cunhado, mesmo que ele já seja casado (ver a seção "A condição
das Viúvas") e independente de seu consentimento (Gênesis 38:8/10).
Deve-se notar que, em muitas
sociedades muçulmanas de hoje, a prática da poligamia é rara, uma vez que a
diferença entre os sexos não é grande. Pode-se dizer que o número de casamentos
poligâmicos no mundo muçulmano é muito menor do que o de casos extraconjugais
no ocidente. Em outras palavras, os homens no mundo muçulmano são muito mais
monogâmicos do que os homens no mundo ocidental.
Billy Grahan, o eminente evangélico cristão, reconheceu este fato:
"O cristianismo não pode se comprometer com a questão da poligamia. Se
hoje o cristianismo não pode fazer isso, é em seu próprio detrimento. O Islam
permitiu a poligamia como uma solução para os males sociais e reconheceu um
certo grau de latitude da natureza humana, mas, somente dentro da estrutura estritamente
definida na lei. Os países cristãos fazem um estardalhaço sobre a monogamia,
mas, na verdade, eles praticam a poligamia. Ninguém ignora a existência das
amantes na sociedade ocidental. A esse respeito, o Islam é fundamentalmente uma
religião honesta, que permite a um muçulmano se casar uma segunda vez se ele
precisa, mas proibe rigorosamente todas as associações clandestinas, a fim de
salvaguardar a probidade moral da comunidade". (75)
Releva notar que muitos países no
mundo de hoje, muçulmanos ou não, proibiram a poligamia. Tomar uma segunda
esposa, ainda que com o livre consentimento da primeira, é uma violação da lei.
Por outro lado, trair a esposa, com ou sem o seu conhecimento e/ou
consentimento, é perfeitamente legítimada. Qual é a sabedoria legal por detrás
de tal contradição? A lei foi feita para premiar a decepção e punir a
honestidade? Este é um dos paradoxos fantásticos de nosso mundo
"civilizado".