M. Catherine Thomas

Visões de Cristo no Mundo Espiritual e a Redenção dos Mortos

Sumário:

         Este trabalho documenta e discute a antiga visão Cristã da descida de Cristo ao mundo espiritual. Os pontos de ênfase são (1) o significado de I Pedro 3:19 e 4:6, especialmente em relação ao batismo pelos mortos; (2) visões da antiga igreja e dos judeus sobre o trabalho redentor do messias no mundo espiritual; (3) o conceito de duas divisões dentro do mundo espiritual e a expectativa de um Messias ministrador; (4) a idéia de espíritos justos sendo organizados para pregar aos iníquos; e (5) a prevalência da crença na antiga igreja da obra vicária em favor dos mortos.

            Uma cena do Inferno de Dante estabelecerá o cenário para esta apresentação. O poeta Virgílio traz Dante (ao interlúdio) à beirada do abismo do inferno:

                        Pálido até a morte o Poeta fala: “Agora desçamos

                        Ao mundo cego que aqui espera embaixo de nós

                        Eu mostrarei o caminho e tu hás de me seguir...

                        Nenhum uivo torturante alçou-se para aqui nos saudar

                        mas sons de suspiros alçavam-se de todos os lados

                        enviando um tremor através da atmosfera atemporal,

                        uma dor aspirava uma tristeza sem tormento,

um estado passivo daqueles que habitavam a parte,

homens, mulheres, crianças – uma penumbra e multidão infinita

                        Eu me perguntei quantas almas valiosas lá existiam

                        Suspensas naquele Limbo, e um grande peso

                   Trancou-se em meu coração pelo qual o mais nobre dos homens sofre.

                        “Instrue a mim, Mestre e nobilíssimo Senhor,”

                        Roguei para ele então,

                        “...acaso algum destes, pelos méritos seus ou de outrem”,

                        partiu deste lugar para a bendição?” [1].

            Virgílio responde que um Poderoso realmente ali veio e levou consigo os antigos patriarcas e outras almas justas. Mas, aqueles que ficaram permanecem no inferno sem nenhuma esperança de livramento.

            A teologia de Dante da súplica pelos mortos não redimidos se posiciona em agudo contraste com a crença dos antigos Cristãos e daqueles que se lembravam dos ensinamentos dos Apóstolos. Na antiga Igreja não havia uma crença mais popular do que o Descenso ao inferno e a redenção dos mortos. Inácio (35 –107 AD), [2] Policarpo (69-155 AD), [3] Justino Mártir (100 –165 AD), [4] Irineu (130-200 AD), [5] Tertuliano (160-220 AD), [6] e outros antigos escritores explicitamente mencionaram ou aludiram ao Descenso, muitos deles ligando o Descenso à obra redentora dentre os mortos.

É importante notar que inferno é a é uma tradução do hebraico Sheol e do Grego Hades. Ambos os termos referem-se ao lugar dos espíritos que daqui partiram e não necessariamente àquele lugar para onde apenas os iníquos vão. Selwyn escreve:

            O conceito de Sheol ou Hades como a morada dos mortos em geral, sem distinções éticas ou outras quaisquer, foi mais tarde diferenciado para admitir regiões distintas para os justos e iníquos respectivamente, tal como em Enoque XXII. Tão antigo quanto, nos Salmos de Salomão (cf. XIV. 6, XV. 11, XVI.2) Hades foi usado para o lugar de punição dos iníquos, o qual é normalmente chamado no N.T. Gehena. A morada dos justos, por outro lado, quando um termo especial além de Hades é usado, é chamado como “Seio de Abraão” (Lucas XVI. 23) ou “Paraíso” (Lucas XXIII. 43).[7]

 Os antigos acreditavam que o mundo espiritual jazia embaixo da terra. Paulo fala do Descenso do Salvador às partes inferiores da terra (Efésios 4:9) [8]. Pedro não usa um termo para descer, ao invés disso, uma forma do verbo ir. Usarei o termo Descenso daqui por diante para se referir à jornada do Salvador ao mundo espiritual. (O termo comum em Latim para o Descenso é Descensus ad Inferos.)

Nos tempos modernos o Descenso é talvez o pedaço de Teologia Cristã mais negligenciado. De acordo com F. Loofs, um proeminente erudito bíblico:

O descenso pertence de fato a um grupo de primitivas concepções Cristãs que são inseparáveis que são inseparáveis das idéias então correntes, todavia agora abandonadas, e que agora podem ser somente apreciadas num senso histórico, i.e. como expressões de crenças Cristãs as quais, embora suficientemente adequadas para seu tempo, tornaram-se finalmente obsoletas... Foi-se de tal forma assim se adequando, que as Igrejas conhecidas como Evangélicas acabaram por omitir o Artigo ‘descensus ad inferos’ de seus programas de instrução de doutrinas Cristãs e de adoração.[9]

Na verdade o que o mundo faria com a doutrina do Descenso? Richard L. Anderson inclui em uma discussão sobre batismo pelos mortos uma conversação com o erudito de Novo Testamento, Edgar Goodspeed. Foi perguntado ao Dr. Goodspeed, “Você acha que isto [batismo pelos motos] deveria ser hoje praticado?” Ele respondeu, “Esta é a razão porque não praticamos isto hoje. Não sabemos o suficiente sobre isto. Se o soubéssemos, nós o praticaríamos”[10]

Meu propósito será tratar cinco pontos principais sobre o Descenso e a redenção dos mortos conforme delineados em D&C 138, i.e., a “Visão da Redenção dos Mortos” do Presidente Joseph F. Smith, apresentando também material que apóia esta visão dos antigos escritores judeus e cristãos para ilustrar que os remarcáveis ensinamentos pertinentes à redenção dos mortos na seção 138 representam verdades aceitas pelos antigos Cristãos. Comentarei pouco sobre D&C 138 em si, mais antes disso, usarei seus pontos principais relacionados ao Descenso como sinais de atenção para minha apresentação. Estes cinco pontos são: (1) alguma história, traduções e interpretações das muito disputadas passagens de I Pedro em que seção 138 inclui, 3:19 e 4:6, focalizando o contexto batismal destas passagens; (2) evidências da antiga igreja e dos judeus testemunhando sobre o trabalho redentor do Messias no Descenso; (3) evidências da crença numa divisão dentro do mundo espiritual e da expectativa dos justos de que um Messias lhes aparecesse; (4) evidência da organização dos espíritos justos para levar o evangelho aos iníquos; e (5) a evidência da obra vicária em favor dos mortos no antigo Cristianismo.

 

I Pedro 3:18-21, 4:6

 

História

 A história da interpretação de I Pedro 3:10 (de que Cristo pregou aos espíritos em prisão) e seu contexto formam um emaranhado de palavras representando a confusão que surgiu no começo da Apostasia. Discorrerei aqui apenas superficialmente sobre os artifícios criativos com os quais os exegetas através dos séculos têm-se digladiado com esta passagem. Para detalhes, o leitor pode consultar vários escritores quem  realizaram profundos estudos da complicada teia de fatores, gramatical e exegética, das quais as passagens em I Pedro fazem parte.[11] A dificuldade não realmente não jaz na passagem, mas nas mentes dos intérpretes que encontram aqui um conflito com suas próprias idéias do pós-vida e a impossibilidade de progresso ou redenção ali. Aproximadamente todas as interpretações de I Pedro 3:19 e 4:6 desde tempos antigos até nosso próprio dia estão confinadas a estas seguintes alternativas: (1) O Senhor pregou o evangelho a estes espíritos e lhe ofereceu arrependimento. Sob a influência de idéias teológicas posteriores muitos comentaristas tornaram-se arredios em admitir esta interpretação, mantendo que (2) Cristo deve ter certamente pregado a eles não esperança, mas condenação; ou (3) que ele pregou apenas àqueles que eram justos; ou que (4) apenas àqueles que embora desobedientes, arrependeram-se na hora da morte; ou (5) que pregou o evangelho àqueles que eram justos e condenação aos que haviam desobedecido.[12] A antiga escola Alexandrina de teologia aceitava a plena interpretação de I Pedro 3:19 de que Cristo pregou o evangelho de esperança aos descrentes no mundo espiritual. Mais tarde muitos comentaristas da Idade Média (assim como modernos) não acharam neste versículo absolutamente nenhuma alusão ao Descenso. Onde alguns achavam o descenso, eles interpretavam isto  como significando livramento dos santos do Antigo Testamento apenas e a derrota de Satanás naquele evento o que veio a ser conhecido como a Agonia do Inferno, onde a crença de que Cristo havia libertado quaisquer outros além daqueles profetas santos tornou-se herética.[13] A teologia Católica moderna na maioria das vezes tende a considerar aqueles que ouviram Jesus pregando aos espíritos em prisão como pecadores convertidos antes de morrerem.[14]

Devemos aqui anotar que a menção do descenso aparece em muitos antigos credos Cristãos, tais como o famoso Credo Apostólico (390 A.D.). Mas o mais antigo Credo do qual temos registro é conhecido como a Quarta Fórmula de Sirmium (um conselheiro dos bispos Ocidentais) que apareceu 39 anos mais cedo em 359 A.D. e era um descendente de muitos outros Credos Cristãos anteriores que nada continham a respeito do Descenso. Eu cito a seção sobre o Descenso a partir do Credo de Sirmium: “E Cristo desceu ao inferno, e por lá regulou as coisas, a quem os porteiros do inferno viram e estremeceram, e ele então ressuscitou.” Após anos de credos sem a menção do Descenso, porque foi o Descenso inserido neste credo? J.N.D. Kelly aponta que este Credo de Sirmium foi rascunhado por um Sírio, Marcos de Arethusa, e que o Descenso tinha já um luar muito antigo no material dos credos Orientais.[15] Ele nos dá a Didascália Siríaca (uma coleção de preceitos miscelâneos de alegada origem apostólica. c. 250 A.D.) como exemplo. Aí diz: “[Cristo] foi crucificado sob Pôncio Pilatos e partiu em paz, a fim de pregar a Abraão, Isaque e Jacó e a todos os Santos, concernente ao fim do mundo e à ressurreição dos mortos.” Por que foi o Descenso negligenciado por tanto tempo nos Credos Ocidentais não está bem claro, mas Kelly especula que Marcos de Arethusa, tendo material de Credos diante dele que continham menção ao Descenso, achou que a interpolação no credo Ocidental fosse importante para demonstrar toda a amplitude do trabalho de redenção do Salvador.[16] Mais ou menos na mesma época os sínodos de Nice (359) e de Constantinopla (360) publicaram credos com a cláusula do Descenso. Rufino registra (c. 404) que o credo de Aquiléia continha a cláusula do Descenso a qual ele conectava com I Pedro 3:19, e ele diz que a passagem do descenso está incluída naquele credo para explicar “o que Cristo realizou no inframundo”[17]

Mesmo que embora muitas referências ao Descenso apareçam na antiga literatura Cristã, curiosamente, interpretações, reflexões ou citações de I Pedro 3:19 estão faltando na mais antiga literatura Cristã. Nenhum escritor antes de Hipólito (c. 200), Clemente de Alexandria (150-215), e Orígenes (185-253) (quem verdadeiramente fez clara conecção entre o Descenso e 3:19) parece aludir a tal versículo.[18] A razão pode jazer nas dificuldades mencionadas na conecção do Descenso com a Redenção em I Pedro 3:10.[19]

 

Tradução, Interpretação e Contexto Batismal de 1 Pedro 3:18-21; 4:6

 

I Pedro 3:18

 Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão;

 

Muito debate tem transcorrido sobre que condições “vivificado no espírito” quer dizer. A Versão do Rei Tiago em Inglês nos dá “quickened in Spirit” e põe em letra maiúscula Espírito, implicando a interpretação que ele foi no poder do Santo Espírito, ou que esta jornada não se refira ao seu descenso, mas a sua ressurreição e a proclamação de seu triunfo sobre os poderes do mal.[20] Todavia é muito mais provável que as duas dativas, (carne e espírito), devessem ser entendidas como antíteses, significando que quando a  carne de Cristo estivesse morta, seu espírito continuava vivo no mundo espiritual. Joseph Smith ensinou: “Agora todos aqueles [quem]  morrem na fé vão à prisão dos espíritos para pregar aos mortos do corpo, mas eles são vivificados no espírito, e aqueles espíritos pregam aos espíritos  para que possam viver segundo Deus em espírito. E homens verdadeiramente ministram por eles na carne, e anjos trazem boas novas aos espíritos, e eles tornam-se mais felizes por este intermédio.”[21] Orígenes compreendeu este sentido do versículo o qual fala que Jesus foi em seu espírito: “Afirmamos que Jesus não apenas converteu um grande número de pessoas enquanto estava no corpo... mas também, que quando ele se tornou um espírito, sem o invólucro de seu corpo, ele habitou entre aqueles espíritos que estavam sem invólucros corpóreos, convertendo tantos deles quanto estavam desejosos de seguir a Si.” [22] Hipólito (c. 155-236) escreveu, “O Unigênito adentrou [o mundo dos espíritos] como uma Alma entre almas.”[23]

Para Agostinho (3554-430), Beda (673-735), Aquino (1225?-74), e outros, as dificuldades em aceitar o sentido pleno de I Pedro 3;19 eram insuperáveis. Embora a princípio Agostinha tenha aceitado a visão literal de I Pedro 3:19,[24] ele mais tarde propôs uma nova interpretação a qual era que Cristo estava em Noé quando Noé pregou arrependimento ao povo de sua era, e espíritos em prisão era para ser tomado como significando “aqueles que estavam na prisão do pecado,” ou “aqueles que agora estavam na prisão do Hades, mas estavam então naquele tempo vivos.”[25]

Pedro falou da visitação do Senhor aos espíritos em prisão (3:19). Ele não mencionou o paraíso onde os justos habitam os quais também se beneficiaram da obra redentora do Salvador. D&C 138:50 revela que “os mortos consideravam o longo tempo em que seu espírito estava ausente do corpo como uma escravidão.” Até mesmo os espíritos justos viam sua existência no mundo espiritual como vivendo em uma prisão por causa da separação dos seus corpos. Desta forma, o termo prisão refere-se a todo o mundo espiritual.

 

            I Pedro 3:20

os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas, isto é, oito almas se salvaram através da água.

 

Por que Pedro mencionou apenas a geração de Noé? Uma das razões é sugerida no “Sanhedrin” (10:3) na Mishna: “A geração do Dilúvio não tem parte alguma no mundo vindouro, nem deverão permanecer no julgamento.” Este grupo era considerado pelo rabinos como exemplificando a mais iníqua geração na história da humanidade. Portanto, Pedro pode ter usado eles como uma referência aos mais iníquos, mas dizendo efetivamente que a missão do Salvador no mundo espiritual abrangeria todos os espíritos, mesmo os mais iníquos. A Tradução de Joseph Smith acrescenta uma palavra esclarecedora ao versículo 20: “Alguns dos quais foram desobedientes nos dias de Noé,” confirmando o sentido que a geração de Noé era apenas uma parte – talvez a mais iníqua parte – dos espíritos que se beneficiaram da missão do Salvador. Uns poucos versículos mais adiante, I Pedro 4:6 implica que o evangelho foi pregado a todos os mortos. D&C 138:30-33 diz:

... sim, a todos os espíritos dos homens; e assim foi o evangelho pregado aos mortos.

... sim, a todos os que se arrependessem de seus pecados e recebessem o evangelho.

Desse modo foi pregado o evangelho àqueles que haviam morrido em seus pecados, sem conhecimento da verdade ou em transgressão, tendo rejeitado os profetas. A esses foi ensinada a fé em Deus, o arrependimento do pecado, o batismo vicário para remissão de pecados, o dom do Espírito Santo pela imposição das mãos

Estes espíritos poderiam esperar por que tipo de redenção? O alicerce da redenção é ressurreição, a qual, pela virtude da obra do Salvador, todos aquele que tiveram corpos mortais poderiam antecipar. Em adição, cada um poderia esperar ser redimido “através da obediência às ordenanças da casa de Deus” e receber um galardão de acordo com suas obras (D&C 138: 58-59). Em Moisés 7:38-39 o Senhor falou a Enoque sobre a geração de Noé:

 

Mas eis que estes que teus olhos contemplam perecerão nos dilúvios; e eis que os fecharei; uma prisão preparei para eles.

E aquele [Cristo] que escolhi implorou diante da minha face; portanto ele sofre pelos pecados deles, desde que se arrependam no dia em que meu Escolhido voltar para mim; e até esse dia eles estarão em tormento; (ver também Moisés 7:57)

 

D&C 138:59 nos ensina sobre o destino destes espíritos: “E depois de terem cumprido a pena por suas transgressões e de serem purificados, receberão uma recompensa de acordo com suas obras, porque são herdeiros da salvação.” Isto é, a gera,ao de Noé, assim como todos aqueles que entram no mundo espiritual não arrependidos, experimentam um processo de limpeza no mundo espiritual em preparação para a Ressurreição. Muitos destes espíritos receberão um grau de redenção nos reinos terrestrial ou telestial (Ver D&C 76:72-78, 88:99).

 

I Pedro 3:21

 que também agora, por uma verdadeira figura-o batismo, vos salva, o qual não é o despojamento da imundícia da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo,”

 

Incluí aqui I Pedro 3:21, o qual se refere ao dilúvio sendo como um batismo porque indica que a atenção de Pedro muda de assunto, daqueles que receberam a pregação para o tópico do batismo: “Cuja (água) agora vos salva como um arquétipo, chamado batismo, que não é a remoção da imundície da carne, mas um convênio diante de Deus de uma consciência sã, através da ressurreição de Cristo” (Tradução direta de Catherine Thomas). [26] Em algumas regiões da antiga Igreja,[27] candidatos para batismo despiam-se de suas roupas, entravam nus na fonte batismal; então, após emergirem da água, eram vestidos com um garment branco. Por esta razão Reicke percebe uma possível alusão a um serviço batismal na linguagem deste versículo sobre despojar-se da imundície da carne. [28] Vários eruditos observaram que I Pedro, que se identifica como uma epístola, possui elementos remanescentes de um verdadeiro serviço batismal. Primeiro Pedro 3:18-22 contém o que parece ser um credo básico, abrangendo em poucas palavras um resumo do ministério do Senhor. Ele sofreu pelo pecado, morreu, foi em espírito pregar aos espíritos em prisão (Pedro aqui inseriu a figura do batismo), e foi para o céu à destra de Deus, tendo anjos, potestades, etc. sujeitos a Ele. Uma significância do credo é que Pedro colocou o batismo em estreita proximidade ao Descenso do Salvador, conectando os dois. Há um texto paralelo em I Timóteo 3:16 que diz: “E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Aquele que se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos [pode se referir aos espíritos], pregado entre os gentios, crido no mundo, e recebido acima na glória.” (itálicos acrescentados). Reicke comenta “Todo o hino em  I Timóteo 3:16 tem...uma grande semelhança com I Pedro 3:18-22. A partir disto fica bem claro que a aparição no mundo dos Anjos é um motivo organicamente incorporado no drama da salvação.”[29]

Após o estudo dos textos batismais e pascais do período pré-Niceiano, F.L. Cross concluiu que I Pedro 1:3 – 4:11 tem uma colocação e aspecto batismal e que o ritual pode ser extraído através das palavras de Pedro em 1:21 que são: “que por ele credes em Deus, que o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de modo que a vossa fé e esperança estivessem em Deus.” Neste ponto a pessoa era batizada. Aqui o versículo que se segue ao alegado batismo: “Já que tendes purificado as vossas almas na obediência à verdade, que leva ao amor fraternal não fingido, de coração amai-vos ardentemente uns aos outros, 23  tendo renascido, não de semente corruptível, mas de incorruptível, pela palavra de Deus, a qual vive e permanece.” [30] Entretanto, qualquer que seja a colocação original dos elementos em I Pedro, o ponto significante é, mais uma vez, que o batismo é visto por muitos eruditos como sendo o principal tema da epístola de Pedro, e daí a decorrência lógica do contexto do Descenso e da pregação aos espíritos.

Antigos Cristãos associavam a paixão do Senhor e o Descenso com o batismo, sendo a véspera de Páscoa uma época popular para se receber o batismo. Tertuliano (AD 160 –220) observava: “A Páscoa oferece a mais solene ocasião para Batismo.” [31] É claro que batismo por imersão é em si mesmo uma figura da morte, com uma descida a uma tumba de água antecedendo a libertação da água do renascimento espiritual. Todavia uma vez mais a associação de Pedro com o Descenso e a pregação aos espíritos deve ser percebida porque  a conexão destas duas idéias pode constituir uma referência críptica da oferta de batismo aos mortos, e mesmo a obra vicária pelos mortos.

                                                                                                                                                                                                                                       I Pedro 4:6

Pois é por isto que foi pregado o evangelho até aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espírito.

 

Mais uma vez os eruditos debatem sobre o que “até aos mortos” significa. Alguns preferem interpretar a frase como pertinentes aos espiritualmente mortos. Agostinho, Cirilo, Beda, Erasmo, Lutero e outros tomam “os mortos” como significando “aqueles que estavam mortos em transgressões e pecados,” i.e., os espiritualmente mortos ou mais especificamente os Gentios, [32] já que estes patriarcas não poderiam consentir com os iníquos no inferno recebendo o evangelho. Mas Clemente de Alexandria (150-215 AD) escreveria, “Se Ele então pregou [o evangelho àqueles na carne para que não fossem condenados injustamente], como é possível conceber que Ele, pela mesma causa, não pregasse o evangelho àqueles que já haviam partido desta vida antes do Seu advento?” [33]

Evidências no Judaísmo e no Antigo Cristianismo da Obra Redentora do Salvador no Descenso

 

Indicações proféticas da natureza redentora do Descenso aparecem no Velho Testamento (e.g., ver Zacarias 9:11 : “Ainda quanto a ti, por causa do sangue do teu pacto, libertei os teus presos da cova em que não havia água.” Ver também Oséias 13:14). Na literatura Judaica lemos não apenas do Descenso, mas também da obra redentora do Messias no mundo espiritual. Vários textos aparentemente judaicos, alguns baseados em passagens do Velho Testamento, contém descrições do trabalho do Senhor entre os espíritos dos mortos. Justino [34] e Irineu [35] citam uma passagem a qual eles alegam era anteriormente encontrada no texto de Jeremias (uma vez Irineu a atribui a Isaías) mas sobre a qual eles dizem que foi excluída pelo controversialistas Judeus. Esta passagem é chamada o Logium de Jeremias: “O Senhor se lembrou de Seus falecidos em Israel, que jazem em suas sepulturas, e desceu para pregar-lhes Sua própria salvação.” Um erudito observa:

 

É estranho que nenhum traço deste texto encontra-se na LXX de Jeremias, se o que Justino alega é verdadeiro, mas deve ser agora admitido (à luz dos Pergaminhos de Qumran) que algumas adulterações sobre textos controversos foi praticada pelos Judeus, pois o rolo de Isaías em 53:11 tem uma leitura que favorece o argumento Cristão (e que é encontrado na LXX), mas esta leitura desapareceu de todos os manuscritos hebraicos posteriores. Além do mais, os fragmentos gregos do AT encontrados em Qumran apresentam um tipo de texto que está freqüentemente em concordância com Justino.[36]

 

A partir da literatura rabínica, a qual contém idéias provavelmente contemporâneas com o antigo Cristianismo, vem um relato da visita do Senhor no mundo espiritual. A primeira de duas passagens a partir da Bereshith Rabba conta sobre a aparição do Messias aos portões de Gehinnom:

 

 Mas quando aqueles que eram prisioneiros, que estavam em Gehinnom, viram a luz do Messias, rejubilaram-se por recebê-lo, dizendo, Ele nos guiará adiante para longe desta escuridão, conforme foi dito, “Eu os remirei do poder do Sheol, e os resgatarei da morte” (Oséias 13:14); e da mesma forma diz Isaías (35:10), “E os resgatados do Senhor voltarão; e virão a Sião com júbilo.” Por “Sião” deve-se entender o Paraíso.[37]

 

E em outra passagem, “Isto é aquilo que permanece escrito, ‘Nos rejubilaremos e exultaremos em Ti. Quando? Quando os cativos subirem para fora do inferno, com a Shechinah em sua fronte.’”[38]

 

Um antigo hino Cristão datado de cerca de 100 A.D., contém algumas idéias novas e joga um pouco mais de luz sobre a antiga compreensão do Descenso e a redenção dos mortos:

 

Sheol me viu e se estremeceu, e Morte me expeliu e muitos junto comigo...E realizei uma congregação de vivos dentre seus mortos...e aqueles que haviam morrido correram em minha direção e clamaram: ‘Filho de Deus, tem piedade de nós...e nos liberta de nossas cadeias de escuridão, e abre-nos a porta pela qual poderemos sair para achegar-nos a Ti...Tu és nosso Salvador.’ Então ouvi suas vozes...e coloquei meu nome sobre suas frontes, porque eles estão libertos e eles são meus.[39]

 

Uma segunda passagem deste hino apresenta Cristo como falando:

 

E abri as portas que estavam fechadas...nada me apareceu fechado, pois eu estava a abrir todas as coisas. E fui em direção a todos os meus cativos a fim de livra-los; para que não pudesse deixar ninguém preso ou amarrado. E lhes concedi generosamente meu conhecimento, e minha ressurreição através de meu amor...e os transformei através de mim mesmo. Então eles receberam  minha bênção e viveram, e se congregaram a mim e foram salvos; porque eles se tornaram meus membros e Eu era sua cabeça.[40]

 

A combinação da colocação do nome de Cristo sobre a fronte dos mortos, referências sobre o trabalho de libertação do Salvador, e a recepção das bênçãos de Cristo pelos espíritos apontam fortemente para a concessão de batismo aos espíritos.

 

 

A Divisão dos Espíritos no Mundo Espiritual; Antecipação pelos Justos da Aparição do Messias.

 

            Em D&C 138 Presidente Joseph F. Smith registrou que os justos estavam congregados em um lugar esperando pela aparição do Senhor (vv. 11-19, 38-49). Esta divisão dos espíritos é apoiada pelo livro apócrifo de Enoque, (datado por Charlesworth como sendo do segundo ao primeiro século A.C.). e que, embora não Cristão, contém uma visão corrente do mundo dos espíritos entre os judeus do tempo de Jesus os quais aparentemente influenciaram livros do Novo Testamento tais como Judas e II Pedro (capítulo 2). Enoque, em uma visitação pelo mundo dos espíritos, pergunta ao anjo que o guia o que seriam os lugares ocos nas rochas. O anjo responde,

 

         Estes lindos [ou “ocos” – as palavras gregas são semelhantes] cantos [estão aqui] a fim de que os espíritos das almas dos mortos possam se reunir neles....Eles prepararam estes lugares a fim de lá se colocarem até o dia de seus julgamentos. “Por que razão estão uns separados dos outros?” E ele replicou e me disse, “Estes três foram feitos a fim de os espíritos dos mortos possam estar separados. E da mesma maneira em que as almas dos justos são separadas por esta fonte de água com uma luz  acima dela, igualmente os pecadores são separados quando morrem.” (22:8-10)

 

Presidente Smith escreveu, “Vi que estavam cheios de júbilo e alegria e regozijavam-se juntos porque se aproximava o dia de sua libertação.” O júbilo dos espíritos também é apoiado por Enoque (69:27), “Então chegou até eles um grande júbilo. E eles bendisseram, glorificaram e exaltaram [o Senhor] pelo fato que o nome do daquele [filho do] Homem lhes fora revelado.”

Um texto Judeu datando por volta de 100 AD descreve o estado dos espíritos após a morte: “Não indagam as almas dos justos em suas câmaras sobre estas questões, dizendo, ‘Quanto tempo mais iremos aqui permanecer?’” “[O arcanjo então disse] no Hades as câmaras das almas são como o ventre. Pois exatamente como uma mulher que está em trabalho de parto se apressa para escapar das agonias do nascimento, da mesma forma estes lugares se apressam para devolver aquelas coisas que lhes foram comprometidas desde o princípio” (4 Esdras 4:35, 42; cf. Odes Sol. 24:5).

O Evangelho de Nicodemos, um documento Cristão datando da época de Justino Mártir, quem lhe demonstra familiaridade, descreve o advento do Salvador no Hades:

 

Estávamos, então, no Hades com todos os que haviam morrido desde  o começo do mundo. E lá pela hora da meia-noite levantou-se sobre as trevas naquele lugar alguma coisa como a luz do sol e brilhou, e a luz caiu sobre todos nós, de modo que víamos uns aos outros. E imediatamente nosso Pai Abraão, junto com os patriarcas e profetas, se encheram de júbilo, e disseram uns aos outros: Este brilho vem de uma grande luz. O profeta Isaías, que lá estava presente disse: Este brilho vem do Pai, do Filho e do Santo Espírito. Isto eu profetizei enquanto ainda vivia: ...o povo que se assentava em escuridão viu uma grande luz.(cf. Isaías 9:2) [41]

 

A Organização dos Espíritos dos Justos para Levar o Evangelho aos Iníquos

 

Seção 138 mantém que o Salvador não desceu pessoalmente aos iníquos mas organizou os justos e lhes deu autoridade para engajarem-se na pregação do evangelho a todos os mortos (138:29-30). Mais tarde na teologia Muhamediana também contém um traço desta doutrina que diz, “Os justos, que tiveram seguramente atravessado a ponte que cruza o Paraíso e Inferno, intercedem por seus irmãos que estão por lá detidos. Eles são enviados ao inferno para ver se há qualquer um lá com fé, e para resgatá-los. Estes são lavados na Água da Vida e admitidos ao Paraíso.”[42] No Yalkut Shim’oni (Judaico), os agnósticos são resgatados do inferno pelos mortos justos e passam para a vida eterna, enquanto na Zohar, é dito que os justos ou os patriarcas descem ao inferno para resgatarem os pecadores do lugar de tormento.[43]

O antigo autor Cristão Inácio (35-107 A.D.) escreve sobre a visita do Salvador aos profetas, “Se estas coisas são assim, como então poderemos ser capazes de viver sem aquele de quem estes mesmos profetas foram discípulos em Espírito e para quem eles esperançosamente olhavam como seu mestre? E por esta razão aquele por quem esperavam em justiça, quando veio, regatou-os dos mortos.”[44]

Um outro antigo documento Cristão refere-se a visita do Senhor aos justos.

 

Desci e falei com Abraão e Isaque e Jacó, aos vossos pais os profetas, e lhes trouxe as boas novas que vinham do restante  que se encontrava debaixo do céu, e lhes dei a mão direita do batismo da vida e perdão e limpeza de toda iniqüidade, assim como vós, da mesma maneira de agora em diante fazei o mesmo a todos que em mim acreditarem. Mas quem quer que acredite em mim e não cumpre meus mandamentos, embora acredite em mim recebe nenhum benefício disto. Ele corre sua carreira em vão...O Senhor, em todo aspecto tu nós fizeste rejubilar e nos concedestes descanso; pois em fidelidade e verdade tu pregaste aos nossos pais e aos profetas, e mesmo também a nós e a todo homem. E ele nos disse, “Verdadeiramente a ti te digo, tu e todos que acreditam e também aqueles que ainda acreditarão Nele que me enviou, Eu lhes elevarei aos céus, ao lugar que o Pai preparou para os mais eleitos, (o Pai) quem dará o descanso que prometeu e a vida eterna.” [45]

 

“Elevados aos céus” nos faz relembrar de um surpreendente paralelo em D&C 138:51 : “Esses o Senhor ensinou e deu-lhes poder para se levantarem, depois que ele ressuscitasse dos mortos, e entrarem no reino de seu Pai, para que lá fossem coroados com imortalidade e vida eterna.”

Outra antiga literatura acrescenta alguns interessantes detalhes à idéia dos justos levarem o evangelho aos mortos. Hipólito escreve, “João Batista morreu primeiro, sendo despachado por Herodes, para que ele pudesse preparar aqueles no Hades para o evangelho; ele tornou-se o precursor naquele lugar, anunciando da mesma forma conforme fez nesta terra, que o Salvador estava para resgatar os espíritos dos santos das garras da morte.” [46]

Novamente, em um manuscrito do sexto século, Hipólito distingue entre aqueles que viram o Salvador daqueles que apenas ouviram sua voz, a voz sendo talvez figurativa do ouvir o evangelho através de seus servos autorizados.

 

Oh, Tu Filho Unigênito entre todos os filhos unigênitos, e Todo em todos! Vendo que a multidão das Santas Almas estava profundamente angustiada e tendo sido privadas de uma visita Divina por tanto tempo, o Espírito Santo havia previamente dito que eles seriam o objeto de uma reunião com a Alma Divina, dizendo: “Sua forma nós não a vimos, mas Sua voz a ouvimos.” Pois é apropriado a Ele ir e pregar a aqueles que estavam no Inferno, nomeadamente aqueles que uma vez foram desobedientes.[47]

 

Um exemplo mais ilustrará os espíritos dos justos levando o evangelho aos espíritos iníquos, e também providenciará uma transição ao tópico da obra vicária em favor dos mortos. O Pastor de hermas (primeiro século) era, de acordo com o historiador da Igreja do quarto século, Eusébio, considerado por alguns valioso para instrução na igreja, e era citado pelos mais antigos escritores.[48] Hermas viu em uma visão que os apóstolos levou o evangelho ao mundo espiritual de tal forma que os mortos pudessem receber o selo do batismo:

 

Estes apóstolos e mestres, que pregaram o nome do filho de Deus, pregaram também àqueles que haviam adormecido antes deles, e eles mesmos deram-lhes o selo da pregação [batismo]. Eles desceram portanto com eles na água e levantavam-se novamente, mas aqueles desciam vivos e levantavam-se vivos, enquanto estes que haviam adormecido, desciam mortos e levantavam-se vivos. (Sim. 9.16.5)

 

Clemente de Alexandria também citou esta passagem comentando “que era necessário aos apóstolos serem imitadores do Mestre do outro lado do véu tal como aqui, para que pudessem converter os mortos gentios tal como fez com os Hebreus.” [49] Em outro lugar, citando Hermas mais uma vez, ele escreveu “Cristo visitou, pregou, e batizou os homens justos de outrora, tanto gentios como Judeus, não apenas àqueles que viveram antes da vinda do Senhor, mas também àqueles que viveram antes da chegada da Lei...tais como Abel, Noé, ou qualquer outro homem justo.”[50] A observação de Clemente relembra D&C 138:40-41 a descrição de todos os justos profetas, incluindo Abel e Noé, quem esperavam naquela assembléia pelo advento do Salvador.

 

Trabalho Vicário pelos Mortos

 

            O escritor de hermas obviamente tratou dois tipos de morte, a espiritual e a física, mas sua escrita poética não é clara, e alguém pode facilmente encontrar nesta passagem apenas uma descrição dos apóstolos realizando batismos no mundo espiritual. Mas note a sentença, “Aqueles [os batizadores] desciam vivos e levantavam-se vivos, enquanto estes [aqueles batizados] ..., desciam mortos e levantavam-se vivos.” A colocação das palavras sugere que o grupo anterior – os batizadores – está fisicamente vivo e o último grupo – aqueles batizados – fisicamente mortos, e portanto aludem em um código para o batismo pelos mortos.

            Por que é o batismo pelos mortos apenas levemente comentado nos antigos escritos? Era como se fosse uma parte restrita dos ensinamentos do Salvador. O Novo Testamento contém muitas referências aos mistérios do reino que eram apenas compartilhados dentro do círculo mais íntimo do Salvador.[51] Alguns dos antigos Patriarcas exibiam esta mesma idéia de segredo sobre as especiais doutrinas que o Salvador ensinou, provavelmente durante os misteriosos quarenta dias de ministério (Ver Atos 1:3). Com referência ao secretismo, Clemente de Alexandria diz de si mesmo, que ele escreve “em uma estudada desordem”[52] e tem aqui e ali colocado os dogmas que são os embriões do verdadeiro conhecimento, de tal forma que a descoberta das tradições sagradas não sejam fáceis para qualquer um fora do círculo dos iniciados.” [53] Como um resultado do secretismo , após o primeiro século e a derrocada da autoridade para administrar o batismo, a doutrina do batismo vicário é raramente referenciada, e quando então apenas de forma confusa, uma vez que aqueles que conheciam a verdade não estavam provavelmente pondo no papel qualquer detalhe. Finalmente ninguém mais podia se lembrar do que se tratava. Entretanto, alguns traços persistiam na literatura. Epifâneo, Bispo de Salamis (347-403) escreve:

 

Da Ásia e Gália chegou até nós um relato [tradição] de uma certa prática, dizendo que quando qualquer um dentre eles morria sem batismo, eles batizavam outros em seu lugar e em seu nome, de tal forma, ao levantarem-se na ressurreição, eles não terão que pagar a penalidade de terem falhado em receber o batismo, mas antes se tornam sujeitos à autoridade do Criador do Mundo. Por esta razão, essa tradição que até nós chegou conta ser a mesma coisa a qual o próprio Apóstolo se refere quando diz, ‘Se os mortos absolutamente não ressuscitam, por que se batizam então pelos mortos? Outros interpretam o dito de forma mais cuidadosa, alegando que aqueles que estavam a ponto de morrer, se são catecúmenos, devem ser considerados dignos, à vista da expectativa do batismo que teriam antes de suas mortes. Eles indicam que quem morreu deverá também se levantar, e desta maneira permanecerão com a necessidade daquele perdão dos pecados que vem através do batismo.[54]

 

            Escritores posteriores pensavam que apenas os heréticos haviam praticado batismo pelos mortos. Muitos heréticos de fato o fizeram. Por exemplo, os Marcionitas colocavam um catecúmeno (candidato para batismo) que acabara de morrer sobre uma cama e colocavam uma pessoa viva deitada sob a cama. Então eles perguntavam ao cadáver se queria receber o batismo, e a pessoa viva de debaixo respondia   que ele assim o desejava. Então a pessoa viva era batizada em favor daquela falecida.[55]

            Seria um pequeno passo de batismo pelos mortos para batismo dos mortos. O Cânon 20 Grego do Concílio de Cártago em 419 (relatando um Concílio de 379) lê, “Também parece bom que a Eucaristia não deva ser concedida aos corpos dos mortos. Pois está escrito, ‘Tomai, comei,’ mas os corpos dos mortos não podem nem ‘tomar’ e nem ‘comer’. Nem deixai a ignorância dos presbíteros batizar aqueles que estão mortos.” [56] Algumas de nossas literaturas mórmons alegaram que o Concílio de Cártago baniu o batismo pelos mortos, mas na verdade foi o batismo de cadáveres que foi banido neste Concílio.[57]

            A idéia de que os vivos pudessem realizar alguma coisa de maneira eficaz pelos mortos não era nova em Israel. Em II Macabeus 12:42-45 lemos:

 

O nobre Judas exortou o povo a conservar-se isento de pecado, pois tinham visto com os próprios olhos o que acontecera por causa do pecado dos que haviam tombado. Depois, tendo organizado uma coleta entre os soldados, mandou a Jerusalém cerca de duas mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício expiatório. Ação muito justa e nobre, inspirada no pensamento da ressurreição! Pois, se não esperasse que os soldados caídos houvessem de ressuscitar, teria sido supérfluo e insensato orar pelos mortos. Considerando ele, porém, que belíssima recompensa está reservada aos que morrem piedosamente, seu pensamento foi santo e piedoso. Eis por que mandou oferecer aquele sacrifício pelos mortos, para que ficassem livres do seu pecado.

 

            Montefiore cita a partir da literatura rabínica do quinto-século sobre a redenção dos homens do inferno:

 

Desta maneira aprendemos que os vivos podem redimir os mortos. Desta maneira estabelecemos o ritual de realizar um serviço memorial pelos mortos no Dia da Expiação...Pois Deus os resgata do Sheol e eles são lançados como flechas a partir de um arco. Imediatamente que um homem se torne tenro e inocente como uma criança. Deus o purifica como se fosse a hora de seu nascimento, aspergindo água pura sobre ele a partir de um balde. Então o homem cresce em estatura e felicidade como um peixe que tira sua felicidade a partir da água. Da mesma forma é um homem batizado a cada hora nos rios de bálsamo, leite, óleo e mel: ele come da árvore da vida continuamente, a qual está plantada na divisão [Mehizah, um termo que se refere às divisões no Paraíso] dos justos e seu corpo reclina-se sobre a mesa (do banquete) de cada santo e ele vive para a eternidade.[58]

 

            O trabalho vicário de fato sublinha todo o evangelho, uma vez que Jesus Cristo realizou obra por procuração ao sofre pelos pecados do mundo. Semelhantemente, agindo em seu ofício sacerdotal, os portadores do sacerdócio agem por procuração, i.e., em nome de Jesus Cristo, ao realizar a vontade do Senhor aqui na terra. A doutrina do batismo pelos mortos maravilhosamente ilumina o plano de salvação: o homem se desenvolve em direção a Deus ao realizar o que Deus faz, isto é, ao estender-se a si mesmo em favor das almas dos vivos e mortos. Cristo realizou por nós aquilo que não poderíamos fazer por nós mesmos; em troca, fazemos pelos outros o que eles são podem fazer de per si, tornando-se, como disse o bispo Clemente de Alexandria (sobre os apóstolos no mundo espiritual), “imitadores de nosso Mestre.” [59] Da mesma maneira, a seção 138 registra que o batismo pelos mortos tornou isto possível para os justos, “revestidos de poder e autoridade, ... levar a luz do evangelho aos que estavam nas trevas, sim, a todos os espíritos dos homens; e assim foi o evangelho pregado aos mortos” (D&C 138:30), continuando, no processo, seus próprios desenvolvimentos divinos.

            Está claro então que escritos abundantes desde o antigo período Cristão, especificamente desde os mais antigos escritores da Igreja, apóiam a tese de que a antiga Igreja aceitava a doutrina de que o Filho de Deus visitou o mundo espiritual e lá realizou uma obra de enorme magnitude tal qual, como em seu ministério mortal, ofereceu redenção a toda a família de Deus. Seção 138 não é doutrina nova, mas uma restauração do conhecimento que Deus havia concedido aos antigos.

 

Referências:

 

[1]       Dante Alighieri, O Inferno, tradução livre, linhas 15-60, pp. 50-51

 

[2]       J.A. MacCulloch, A Agonia do Inferno (Edinburgh: T&T Clark, 1930), observe que as mais antigas referências patrícias ao Descenso que ocorrem na epístola de Inácio, aparecem de tal maneira como se ele estivesse tratando de uma crença bem conhecida (p.83): Magnes c.9; Phila c.5, c.9; Trall c.9

 

[3]       Policarpo, em sua Epístola aos Filipenses (1.2), implica o Descenso pela sua citação do Sermão de Pedro em Atos 2;24. (MacCulloch, p.84)

 

[4]       Diálogo com Trifo, c. 72.

 

[5]       Adv. Haer. 4.27.2; Irineu diz que ouviu esta doutrina de que Jesus ‘desceu às regiões inferiores da terra...pregando a remissão dos pecados e recebido por aqueles que Nele acreditaram’ a partir de um presbítero, quem por sua vez a havia ouvido daqueles que haviam convivido com os apóstolos, e a partir daqueles que haviam sido seus discípulos”(4.27.1-2).

 

[6]       de Resur. Carnis, 43, 44; de Anima 7, 55, 58; adv. Marcionem, 4.34.

 

[7]       Edward G. Selwyn, A Primeira Epístola de São Pedro (Londres: Macmillan, 1958), p. 322n.

 

[8]       Embora Brigham Young ensinasse que o mundo espiritual está organizado sobre a terra, talvez quando visualizarmos o mundo espiritual nós compreenderemos o uso da palavra descenso (Discurso de Brigham Young, 376).

 

[9]       Enciclopédia de Religião e Ética, ed. J.H. Hastings (New York: Scribners, 1951), vol. 4, pp. 654-63

 

[10]     Richard L. Anderson, Understanding Paul (Salt Lake City: Deseret Book, 1983), p.413.

 

[11]     Charles Bigg, Critical and Exegetical Commentary on the Epistle of St. Peter and St. jude (Edinburgh: T&T Clark, 1902). William J. Dalton, Christ’s Proclamation to the Spirits: A Study of I Peter 3:18-4:6 (Rome: Pontifical Biblical Institute, 1965). J.A. MacCulloch, A Agonia do Inferno (Edinburgh: T&T Clark, 1930). Hugh Nibley, “Batismo pelos Mortos nos Tempos Antigos”(Provo: FARMS, reimpresso a partir da Improvement Era: Dec. 19, 1948 – Abril 19, 1949). Bo Reicke, The Disobediente Spirits and Christian Baptism (New York: MAS Press, 1946). Edward G. Selwyn, The First Epistle of St. Peter (London: Macmillan, 1958).

 

[12]     Bigg, Commentaru, p.162.

 

[13]     Augustine, de Haer. 79; St. Gregory, Ep. 15; J.N.D. Kelly, Early Christian Creeds (New York: David Mckay Company, 1972) p.381.

 

[14]     Reicke, Spirits and Batism, p. 14.

 

[15]     Kelly, Creeds, p. 379.

 

[16]     Kelly, Creeds, p. 383.

 

[17]     Kelly, Creeds, p. 378.

 

[18]     Reicke, Spirits and Batism, p. 14.

 

[19]     Reicke, Spirits and Batism, p. 16.

 

[20]     Samuel Fuller, Defense of the Version of King James I, “The Spirits in Prison,”9New York: T. Whittaker, 1885)

 

[21]     Andrew F. Ehat and Lyndon W. Cook, The Words of Joseph Smith (Provo, Utah: Religious Studies Center, Brigham Young University, 1980), p. 370; itálicos acrescentados .

 

[22]     C. Celsus 2.43.

 

[23]     de Antichr. c. 26.

 

[24]     De Haeresibus, 79.

 

[25]     Ad. Evodium, 164.

 

[26]     Compare com Mosías 3;19, “natural e espiritual.”

 

[27]     Provavelmente a mais antiga referência à nudez no batismo é encontrada em Hipólito, Tradição Apostólica 21.3 (começo do 3o século) e possivelmente na Didascália Siríaca (c. 250) onde nudez no batismo está fortemente implícita. A prática da nudez no batismo provavelmente deriva a partir do período em que o batismo acabou se confundindo com outras ordenanças sagradas. Várias frases a partir da epístola de Paulo foram mais tarde interpretadas como aludindo a prática da nudez: Gálatas 3:27, Colossenses 3:9-10, Efésios 4:22-24, etc.

 

[28]     Reicke, Spirits and Batism, p. 189-90.

 

[29]     Reicke, Spirits and Batism, p. 234.

 

[30]     F. L. Cross, 1 Pedro. A Paschal Liturgy, London, 1954.

 

[31]     De Baptismo, 19.

 

[32]     Bigg, Commentary, 171.

 

[33]     Stromata 6.6.48.

 

[34]     Dial. 72.

 

[35]     Em cinco lugares. Adv. Haer. 3.22.1; 4.3.61; 4.50.1; 4.55.3; 5.31.1 H.

 

[36]     J. H. Crehan, A Catholic Dictionary of Theology, (Nelson, 1967), p. 163.

 

[37]     Mais facilmente acessível em MacCulloch, Harrowing of Hell, p. 31; também Enciclopédia de Religião e Ética, 4:653.

 

[38]     Ibid.

 

[39]     Odes de Salomão, 42.11-20 em J. H. Charlesworth, The Odes of Solomon, The Syriac texts, (Scholars Press, 1977).

 

[40]     Odes Sol. 17: 9-16.

 

[41]     Hennecke, Schneemelcher, and Wilson, New Testament Apocrypha, (Philadelphia: Westminster Press, 1963) vol. 1, p. 471.

 

[42]     Esta referência está mais facilmente acessível em MacCulloch, Harrowing of Hell, p. 32; e também Enciclopédia de Religião e Ética, 4:653.

 

[43]     MacCulloch, p.31; ERE, p4: 653.

 

[44]     Magn. 9.2.

 

[45]     Epistula Apostolorum, (c. 100-150 AD), pp. 27-28. Hennecke, Schneemelcher, and Wilson, pp. 209-10.

 

[46]     De Antichr. C. 45; da mesma forma Orígenes em dois lugares, Em Luc. Homil. C.4, e em Evang. John 2:30.

 

[47]     Reicke, 24

 

[48]     HE 3.3.6.

 

[49]     Stromata 6.6

 

[50]     Ibid., 2.9

 

[51]     Mateus 13:11; Marcos 4:11; 2 Coríntios 12:2-4; I Coríntios 2:6; ver também Eusébio, HE 2.1.4 e Nibley, Parte 1, Batismo pelos Mortos nos Tempos Antigos, pp. 1-5.

 

[52]     Stromata 6.2.1

 

[53]     Stromata 7.110.4

 

[54]     Adv. Haeresies 1.28.6

 

[55]     João Crisóstomo, Homil. 40 em 1 Cor.

 

[56]     Philip Schaff e Henry Wace, eds., Patriarcas  Niceianos e Pós-Niceianos, “Os Sete Concílios Ecumênicos” (Grand Rapids: Eerdmans Publihing Co.) 14.451.

 

[57]     Joseph Fielding Smith, Doutrinas de Salvação, 3 vols. (Salt Lake City Bookcraft) 2:163.

 

[58]     Tanhuma, “Haásinu,”I, f. 339b. Montefiore, A Rabbinic Anthology, p. 675

 

[59]     Stromata 6.6

 

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